ERC: necessária e independente?

A independência face aos regulados constitui o maior desafio da ERC e do Conselho Regulador que a dirige.

Para contrariar esta opinião, não basta naturalmente citar os exemplos estrangeiros. É verdade que, embora com modelos diferentes, existem entidades de regulação dos media em todos os países europeus. E, entre muitos outros exemplos possíveis, nos EUA, a FCC, que abrange os setores das comunicações e da comunicação social, completa em breve 80 anos.

Na Europa, a regulação da comunicação social por uma autoridade administrativa independente surgiu, nos anos 70 e 80 do século passado, na sequência de uma tendência emergente em outros setores económicos, associada ao licenciamento, com independência, dos operadores privados de televisão. As entidades reguladoras assumiriam rapidamente outras tarefas que não poderiam ser atribuídas aos governos, à administração pública deles dependente ou aos tribunais, como a fiscalização do cumprimento pelos operadores de rádio e de televisão das suas obrigações em matéria de conteúdos e de pluralismo, a independência dos operadores públicos face ao poder político, as queixas sobre incumprimento do direito de resposta ou falta de rigor informativo, a aplicação de coimas, entre muitas outras.

É verdade que, em alguns países onde as entidades reguladoras não dispõem de competências no domínio da imprensa, o que não é o caso de Portugal, se têm desenvolvido experiências de regulação conjunta dos media e das comunicações, como acontece, por exemplo, na Grã-Bretanha e em Itália. Em Espanha, o Governo de Rajoy criou mesmo recentemente uma entidade reguladora única para todos os setores económicos, mas a oposição já anunciou que, quando regressar ao poder, porá cobro a esta experiência insólita e profundamente errada. De qualquer forma, a convergência entre telecomunicações, media e Internet, com todas as suas consequências, conduziu a uma progressiva articulação entre a regulação das redes e a regulação dos conteúdos. No entanto, tem sido entendido que essas duas formas de regulação aconselham uma separação das instituições, uma vez que nas comunicações predomina uma lógica económica, enquanto na comunicação social é reconhecida prioridade a critérios relativos aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Aliás, o CSA (regulador francês do audiovisual) abrange mesmo as competências relacionadas com as comunicações eletrónicas que afetem exclusivamente os media.

Outra crítica frequentemente ouvida sobre a ERC é a da sua alegada obediência a interesses partidários, uma vez que, dos cinco membros da sua direção, quatro são designados por maioria qualificada de 2/3 dos deputados da Assembleia da República, e o quinto é cooptado. Desta forma, sublinham os críticos deste modelo constitucional, as decisões da ERC resultariam da vontade das duas principais formações políticas, que assim repartiriam o poder deliberativo.

A análise do funcionamento da ERC, nomeadamente das deliberações aprovadas, permite, no entanto, outras conclusões. Se tivermos em conta dados do atual mandato, desde o seu início, em novembro de 2011, até final de 2013, o Conselho Regulador da ERC já aprovou 1031 deliberações, das quais 927 foram aprovadas por unanimidade, com percentagens anuais todavia decrescentes (94,1% em 2011, 93,8% em 2012 e 85,6% em 2013).

Acresce que, se tomarmos apenas em consideração os temas que não mereceram a unanimidade dos dirigentes da ERC, poder-se-á concluir que, dessas 104 deliberações, a esmagadora maioria (97) foi aprovada com votações com maiorias diversas entre si e versavam temas como o direito de resposta, as competências da ERC e da CNE para avaliarem o pluralismo durante as campanhas eleitorais, as alterações de domínio ou de perfil de rádios locais, as imagens violentas ou chocantes, os direitos dos jornalistas, o rigor informativo e o pluralismo das fontes, entre outros.

Em contraste, apenas sete (em 1031!) dividiram os membros do Conselho Regulador de acordo com as alegadas “origens partidárias”. No entanto, os temas dessas deliberações relacionavam-se com quatro casos de cessão das licenças de rádios locais, uma admoestação a um operador televisivo por incumprimento da programação anunciada, o contrato de concessão da rádio pública no que respeita às obrigações de emissão dos centros regionais e – aquele que representou o caso mais polémico e o único destes com contornos políticos – a queixa contra o ministro Relvas por pressionar jornalistas do PÚBLICO.

Encarar a ERC como a expressão dos interesses político-partidários é assim profundamente errado. No anterior mandato, todos os casos mais polémicos – queixa contra o Jornal Nacional de sexta-feira da TVI, fim deste serviço noticioso, acusações de pressões políticas do Governo na cobertura noticiosa dos incêndios pela RTP, artigo no jornal Expresso acusando o Governo de interferir na comunicação social, etc. – mereceram votações com maiorias alargadas em que nunca existiu um suposto alinhamento partidário. No atual mandato, em várias queixas relativas a eleições autárquicas, os membros do Conselho Regulador votaram quase sempre unanimemente. A deliberação que condenava o Correio da Manhã, após queixa do antigo primeiro-ministro Sócrates, recentemente analisada, apenas não obteve o voto favorável do presidente da ERC.

Nas congéneres europeias da ERC, a forma de designação dos dirigentes varia entre a eleição pelo Parlamento por maioria qualificada, a indicação pelo Governo ou pelo Presidente da República e um modelo misto em que se conjugam algumas destas formas. Não há exemplos de representação ou de intervenção das entidades reguladas, ou seja, das empresas e dos grupos de comunicação social na escolha dos membros da entidade reguladora. Precisamente porque é a independência face aos regulados, face às empresas do setor, que constitui, sem dúvida, o maior desafio da ERC e do Conselho Regulador que a dirige.

Professor universitário e vice-presidente do Conselho Regulador da ERC

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