A retoma está aí, mas o peso do consumo faz perguntar: será para ficar?
Crescimento de 1,6% em termos homólogos e de 0,5% em cadeia. A economia portuguesa está a afastar-se do período recessivo mais grave das últimas décadas, mas ainda há sinais de alerta em relação à sustentabilidade da retoma.
De acordo com os dados publicados nesta sexta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), o PIB cresceu 0,5% nos últimos três meses do ano passado face ao trimestre imediatamente anterior. Foi o terceiro trimestre seguido com crescimento em cadeia. Em termos homólogos, a variação de 1,6% foi a primeira positiva desde o final de 2010.
No total de 2013, registou-se ainda uma quebra do PIB de 1,4%, o terceiro ano consecutivo de contracção da economia, algo que não tinha acontecido nas recessões das últimas quatro décadas. O valor é, mesmo assim, mais positivo do que a variação negativa de 1,8% que era estimada pelo Governo e pela troika para 2013.
Se com a aceleração registada no final do ano passado se confirmam os sinais positivos que tinham sido dados no segundo e terceiro trimestre, é preciso ver como é que foi garantido este crescimento para perceber se é possível mantê-lo no futuro. Os dados agora apresentados pelo INE não dão detalhes em relação à evolução das várias componentes do PIB. Tal só acontecerá quando a autoridade estatística apresentar os números definitivos do PIB do quarto trimestre dentro de aproximadamente um mês. Mas, ainda assim, na nota publicada, o INE deixa algumas pistas. Afirma que "esta evolução foi determinada, em larga medida, pela recuperação da procura interna, que apresentou um contributo positivo para a variação homóloga do PIB, o que não se verificava desde o 4.º trimestre de 2010". E destaca que tal reflecte "principalmente o comportamento do consumo privado".
Tanto no segundo como no terceiro trimestre do ano já se tinha constatado que a retoma da economia estava a ser fortemente influenciada pela recuperação da procura interna (consumo privado e público mais investimento) dos valores mínimos que tinha atingido no final de 2012.
No terceiro trimestre de 2013, o contributo da procura interna para o crescimento ainda foi negativo (-1,6 pontos percentuais), mas verificava-se uma melhoria acentuada face aos trimestres anteriores. No primeiro trimestre, o contributo tinha sido de -6,1 pontos percentuais. Agora, no quarto trimestre, já atingiu segundo o INE um valor positivo, um resultado a que não será alheio o facto de funcionários públicos e pensionistas terem recebido (por força da decisão do Tribunal Constitucional) em Novembro e Dezembro um dos subsídios a que não tiveram direito em 2012.
Em sentido precisamente contrário tem estado a contribuição da procura externa (exportações menos importações), que começou o ano com um contributo positivo de 2 pontos percentuais e que no terceiro trimestre já só era de 0,6 pontos, devido principalmente ao aumento das importações. Terá agora havido uma recuperação, já que o INE refere que "o contributo positivo da procura externa líquida aumentou devido à aceleração das exportações de bens e serviços".
De qualquer forma é evidente que a grande alteração que se tem vindo a processar nos números do PIB em Portugal nos últimos trimestres é o regresso do contributo da procura interna e em particular do consumo a valores positivos.
Este facto não deixa descansado José Silva Lopes. “Se o principal contributo vem do consumo privado, isso vai piorar a balança de pagamentos mais cedo ou mais tarde. Estou muito preocupado com a balança de pagamentos”, afirma o ex-governador do Banco de Portugal, que vê com dificuldades uma retoma prolongada e forte neste cenário. “Crescer com base em mais consumo, isso era o que estávamos a fazer antes da crise. Não conseguimos manter ritmos de crescimento altos por muito tempo”, alerta.
A ideia fundamental do programa da troika para Portugal era a de que, com reformas estruturais e com uma redução dos custos de trabalho, a economia portuguesa conseguiria passar de um modelo de crescimento baseado no consumo para outro baseado nas exportações, que seria mais sustentável e saudável. Os números que o INE tem vindo a apresentar neste regresso a taxas de crescimento positivas não permitem concluir que é isso que esteja a acontecer.
Vítor Bento confia na manutenção de taxas de crescimento positivas nos próximos tempos, mas manifesta ainda dúvidas quanto à dimensão das mudanças operadas na economia portuguesa. “A não ser que as coisas se compliquem na frente externa, não parece que [a retoma] venha a ser interrompida no futuro mais imediato. A grande questão que se poderá colocar, porém, é qual terá sido o efeito das reformas no potencial de crescimento e se este será suficiente para aliviar a pressão financeira nos próximos anos”, afirma o economista e conselheiro de Estado.
Sérgio Rebelo vê “sinais claros de recuperação em Portugal”, mas também não tem grandes esperanças no aparecimento de taxas de crescimento muito fortes. ”Os dados que temos neste momento apontam para uma recuperação lenta da Europa, com taxas de crescimento anuais à volta de 1%. Neste contexto, é natural que a recuperação económica em Portugal seja gradual, o que significa que, infelizmente, vai demorar tempo a substituir os empregos que foram perdidos”, prevê o economista radicado nos Estados Unidos.
O mais pessimista é José Reis. O professor da Universidade de Coimbra defende que “é muito provável que estejamos perante um quadro geral de estagnação ou de crescimento pontual medíocre, sucessivamente anulado por evoluções negativas da mesma natureza”. Isto porque “não parece que a redução do peso da dívida, a qualificação e plena vigência de um sistema de emprego inclusivo e a presença de dinâmicas produtivas geradoras de fortes efeitos positivos agregados estejam sob perspectivas animadoras”. Para o economista, no actual cenário, o que espera Portugal dificilmente poderá ser mais do que “uma longa estagnação”.