Casa de Gurlitt em Salzburgo escondia mais 60 obras de arte
O homem que tinha 1.400 telas ocultas num apartamento de Munique, Cornelius Gurlitt, também conservava pinturas e desenhos de Monet, Renoir e Picasso na sua casa de Salzburgo na Áustria.
Terá sido o próprio Gurlitt a informar as autoridades da existência de mais este acervo, e as obras foram removidas da sua casa de Salzburgo nesta segunda-feira, na presença dos representantes legais do coleccionador. Citado pelo jornal austríaco Salzburger Nachrichten, Stephan Holzinger, o porta-voz de Gurlitt, adiantou apenas que as telas foram “inventariadas, seguradas e levadas para um local seguro”, tendo-se recusado a precisar se ainda se encontram na Áustria.
Holzinger explicou ainda que as telas serão examinadas por especialistas de vários países para “esclarecer quaisquer dúvidas” sobre as respectivas origens e determinar se poderão ter sido roubadas pelos nazis. Na sequência de muitas pressões, as autoridades alemãs vêm divulgando as obras que consideram mais suspeitas de corresponder a arte saqueada durante o nazismo, designadamente a coleccionadores e famílias judaicas. Até este momento, a lista conta já com 590 telas. Holzinger garante, no entanto, que uma “avaliação preliminar” das 60 obras que Gurlitt conservava em Salzburg não detectou indícios que apontem para origens ilícitas.
As fotografias desta segunda casa do coleccionador publicadas no jornal local Salzburger Nachrichten mostram uma moradia de dois pisos com uma garagem anexa – a construção datará dos anos 1960 –, de dimensões modestas e não muito bem conservada, mas com grades em todas as janelas e uma porta de aspecto resistente, à qual foi aparafusada uma pequena placa metálica com o nome do proprietário.
Esta nova descoberta vem confirmar que, como já se suspeitava, há ainda muito para esclarecer neste extraordinário “caso Gurlitt”. A história tornou-se conhecida no início de Novembro de 2013, quando a revista alemã Focus divulgou que as autoridades bávaras vinham mantendo em segredo, desde Março de 2012, a descoberta de cerca de 1400 obras de arte (1.258 sem moldura e 121 emolduradas) no apartamento de Cornelius Gurlitt, escondidas por trás de uma parede de velhas latas de comida.
A justificação para este longo silêncio foi a alegada necessidade de estudar a colecção com tranquilidade, sem a pressão dos media, do mundo da arte e de eventuais herdeiros de proprietários espoliados durante o nazismo. Foi também invocado o “segredo fiscal” – Gurlitt está a ser investigado por possível infracção fiscal –, mas a justiça alemã não aceitou a argumentação e, na sequência de um processo interposto pelo tablóide Bild, que exigia acesso à lista completa das obras, determinou que, num caso de “claro e relevante interesse público”, o segredo fiscal não se sobrepõe ao “direito à liberdade de informação”.
A ser demonstrado que algumas das telas agora encontradas em Salzburgo foram roubadas pelos nazis, a sua restituição aos legítimos proprietários deveria ser razoavelmente simples, já que, ao contrário da Alemanha, a Áustria tem uma lei que regula estes casos e, em 1998, aprovou um decreto expressamente destinado a agilizar a devolução de obras saqueadas durante o nazismo.
Embora tenha assinado o Acordo de Washington de 1998, comprometendo-se a verificar a possível existência de arte saqueada pelos nazis em todas as suas instituições públicas, a eventual devolução de obras nestas condições continua a ser voluntária, e são até hoje poucos os museus alemães que tomaram a iniciativa de as restituir ou aceitaram fazê-lo. Também os particulares não têm qualquer obrigação legal de devolver obras saqueadas pelos nazis, desde que provem que, em determinado momento – e independentemente do seu percurso anterior -, foram adquiridas legalmente.
O que significa que não é de todo improvável que Gurlitt venha a conseguir preservar boa parte da colecção que herdou, por muito duvidosas que tenham sido as circunstâncias em que vieram à posse do seu pai, Hildebrand Gurlitt, que apesar das suas origens judias pelo lado materno, conseguiu ser um dos negociantes encarregados pelo regime nazi de transaccionar a “arte degenerada” pilhada dos museus e galerias europeias. No final da guerra, terá conseguido convencer os aliados de que a sua colecção tinha ardido nos bombardeamentos de Dresden.