Infanta Cristina foi ouvida em tribunal durante seis horas
Pela primeira vez na história da monarquia espanhola, um membro directo da família real é ouvido por um juiz.
Passavam pouco das 9h45 (8h45 em Portugal) quando Cristina chegou ao tribunal, onde tinha à sua espera um batalhão de jornalistas. Alegando razões de segurança, a infanta foi autorizada a entrar de automóvel no recinto do tribunal – nos escassos metros que percorreu até à entrada do edifício teve tempo para um breve aceno à imprensa e para ouvir os apupos de alguns manifestantes, mantidos à distância.
O jornal El País adianta que que a filha mais nova do rei Juan Carlos começou a ser interrogada minutos depois pelo juiz José Castro, instrutor do processo. Vários intervalos depois, o interrogatório terminou quando passavam poucos minutos das 18h em Espanha, após seis horas e meia de perguntas. Não será possível saber de imedito se a infanta está livre de suspeitas, escrevem os jornais espanhóis.
“95% das respostas da infanta estão a ser ‘não sei’, ‘não me consta’, ‘eu confiava no meu marido”, disse aos jornalistas espanhóis durante o intervalo do interrogatório um dos advogados, Manuel Delgado, representante da associação Frente Cívico, que se juntou ao processo como acusação popular.
A primeira parte do interrogatório durou cinco horas. O juiz mostrou 50 facturas que a infanta disse desconhecer e recordou-lhe que era proprietária de 50% da Aizoon, a sociedade patrimonial do casal onde acabou parte do dinheiro obtido pelo Instituto Nóos, cobrado por serviços que não eram prestados. “O meu marido aconselhou-me a assumir esses 50% e que confiava no seu bom senso”, respondeu a filha mais nova do rei.
Nóos é nome da fundação desportiva sem fins lucrativos que Urdangarín geriu durante anos e que terá usado para desviar dinheiro.
“Está aparentemente tranquila. Vem muito bem preparada”, disse ainda Manuel Delgado. Mas o juiz “está a colocar perguntas de forma muito exaustiva e com muito rigor, está à procura da verdade dentro das possibilidades que lhe o fiscal lhe dá”. “De 400 perguntas respondeu a 15”, acrescentou Delgado já durante um segundo intervalo.
Já em Abril do ano passado o juiz José Castro tinha tentado ouvir Cristina, então por suspeita de ter autorizado o uso do seu “nome, tratamento e cargo” nos negócios do marido. A defesa recorreu e a Audiência Nacional de Palma de Maiorca acabou por dar razão aos advogados.
A 7 de Janeiro, depois de meses de investigação e contra a opinião do procurador anticorrupção Pedro Horrach, o juiz decidiu chamar novamente a infanta a depor, desta vez por fraude fiscal e branqueamento de capitais. O magistrado alega que há indícios de que Cristina conhecia as actividades do marido, pactuando com o desvio de 5,8 milhões de euros de que Urdangarín e o seu sócio, Diego Torres, são acusados.
Cristina alega nada saber
Através do Instituto Nóos, uma fundação desportiva sem fins lucrativos, Urdangarín celebrou contratos com municípios e governo autonómicos, obtidos graças ao seu lugar na família real, cobrando serviços que não realizava e passando facturas falsas. Parte deste dinheiro acabou na Aizoon, uma sociedade patrimonial detida pelo casal, e foi usado para despesas pessoais da infanta.
Desta vez, Cristina decidiu não recorrer, mas mantém a versão de que nada sabia sobre as actividades ilícitas atribuídas ao marido. “Com o tempo, estou convencido que a maioria dos espanhóis verá claramente a infanta que a infanta está inocente”, disse na sexta-feira Jesus Maria Silva, um dos seus advogados.
O caso Nóos, como é conhecido todo este processo, é uma das manchas que mais tem contribuído para a queda da popularidade da monarquia espanhola, a que se juntam também polémicas viagens do rei Juan Carlos. Ao desistir do recurso e testemunhar em tribunal, Cristina tenta reparar algumas das brechas abertas na relação de confiança dos espanhóis com a monarquia – 65% dos inquiridos numa sondagem recente dizem ter má ou muito má opinião da princesa.