Países da CPLP devem deixar de lado “mútua desconfiança", diz Xanana Gusmão

Primeiro-ministro timorense recebeu grau de doutor honoris causa pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas

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No discurso após receber o grau de doutor honoris causa pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, em Lisboa, Xanana Gusmão aproveitou a realização da próxima cimeira da CPLP na capital timorense, Díli, em Julho, para apontar os problemas da organização lusófona.

“Perdemos a noção de comunidade, agora necessitamos de definir uma nova estratégia, de formular um roteiro de acções programáticas que resultem em benefícios sociais e económicos tangíveis para as nossas populações”, frisou.

“Tenhamos a coragem de descer do estrado de orgulhos mal disfarçados e de sentimentos latentes de mútua desconfiança”, apelou, considerando “urgente” que se faça uma “discussão séria e honesta” quanto à participação de cada Estado lusófono no “plano de desenvolvimento económico sustentável”.

Para o ex-líder da resistência timorense, “é já tempo de dar um novo rumo” à CPLP e de “plantar a bandeira” da lusofonia “nos negócios do mundo”, corrigindo “as assimetrias” entre os “países irmãos”.

No discurso, que durou mais de uma hora, Xanana Gusmão criticou as lideranças mundiais e defendeu “um novo conceito de defesa global” e “uma diplomacia activa” que promova a paz.

As “democracias do mundo inteiro” estão “capturadas por uma elite dominante, apoiada por uma indústria financeira arruinada”, lamentou.

“Há que mudar a mentalidade dos países ricos e poderosos, há que mudar a mentalidade dos governantes e dos centros mundiais de decisão, há que se ter também a humildade de reconhecer que o Homem, a pessoa humana, deixou de estar no centro das decisões”, vincou.

As “poderosas elites mundiais” devem ser “responsabilizadas”, porque “os pobres e os mais vulneráveis são os que pagam os erros do sistema global e recebem a miséria em troca”, denunciou, considerando “deveras chocante” que não se tenham atingido as metas de desenvolvimento definidas pelas Nações Unidas.

“Enquanto todos os dias vemos milhões e milhões de pessoas em deprimentes condições de vida e que vão morrendo de fome, os países detentores do poder de decisão reforçam as intervenções militares, despendendo biliões de dólares por ano”, realçou.

Sobre Timor-Leste, o actual primeiro-ministro, que já disse que não pretende voltar a candidatar-se a qualquer cargo de responsabilidade, disse que está em “processo de maturação democrática”.

Defendendo que as prioridades devem ser a “consolidação do Estado” e a “coesão da nação”, Xanana Gusmão instou “as pessoas eleitas” a fazerem “prevalecer os interesses nacionais sobre todos e quaisquer outros interesses” e apelou aos cidadãos para não se deixarem “manipular”.

Timor-Leste, disse, “está a crescer apesar da crise”, dando “sinais modestos mas positivos”. Assinalando que “não haverá democracia sem paz e estabilidade”, recordou as “falsas expectativas de que a independência traria de imediato tudo o que se almejava” e criticou “os agitadores de opinião”, para os quais “não podia haver razões de demora”.

Após uma demorada ovação, Xanana Gusmão agradeceu a distinção com o grau de doutor honoris, já que não teve “a oportunidade de frequentar o ensino superior”, admitindo algum “desassossego por não estar realmente seguro” de ser merecedor de “tal generosidade”.