Como é ficar viúvo aos 30 anos?
Perderam companheiros quando achavam que tinham encontrado a pessoa certa para toda a vida. E viram-se viúvos na casa dos 30. Os planos foram suspensos, nem todos se concretizaram. O P3 quis perceber como é ficar viúvo pouco tempo depois de se começar uma vida a dois.
São uma minoria da população portuguesa — sete por cento, de acordo com os dados dos últimos Censos — constituída, na sua grande maioria, por pessoas mais velhas. Dos 770 664 viúvos que surgem referidos pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em 2011, acima de 760 mil têm 40 anos ou mais. Até essa idade, 7 637 pessoas perderam maridos ou mulheres. Ricardo Santos, Marlene Cunha, Joana Ricca e Isabel Vilaça são a minoria dentro da minoria: ficaram viúvos na casa dos 30 e perceberam “que estas coisas não acontecem só aos mais velhos”.
Tinham planos que ficaram por concretizar, casas que ficaram mais vazias e rotinas que foram completamente alteradas. No caso de Marlene e Joana, os dias passaram a ser dedicados aos filhos — comportamento que nem toda a gente compreende, salientam ambas. Ricardo não entra nas estatísticas do INE: não era casado com Nádia, que morreu em 2013, mas viviam juntos há alguns anos e estavam a “equacionar a hipótese de casar”. “A minha vida estava a andar para a frente e agora está parada — até a andar para trás um bocadinho”, conta ao P3, na primeira pessoa.
Marlene Cunha tinha 33 anos quando ficou viúva, há um ano e meio. Manteve a aliança durante cerca de um ano, usou roupa escura por mais ou menos três meses. Vive numa pequena aldeia da ilha da Madeira, onde os viúvos — e sobretudo as viúvas — vestem preto para sempre e se recolhem da vida social. Marlene não escolheu recolher-se, mas ser mãe solteira com um trabalho a tempo inteiro torna os seus dias “todos iguais”. Por ser “uma rapariga do campo” — como se descreve —, sempre foi uma pessoa prática e habituada a fazer de tudo em casa. Recebe uma pensão de sobrevivência (que é uma contribuição, mas não suficiente) e a família, ainda que não viva tão perto quanto desejava, também ajuda.
“Sinto necessidade de chegar a casa e ter alguém com quem conversar, porque há mais de um ano que vivo só com a minha filha”, refere a recepcionista, uma entre os 1 953 portugueses viúvos na faixa dos 30 aos 34. Continuaram a viver na mesma casa, as fotografias ocupam os mesmos lugares, mas muitas outras coisas mudaram. As férias que planeava quando o marido morreu ficaram por realizar, não voltou a conduzir, sente que a vida parou em 2012, apesar da juventude. O cliché, diz, aplica-se na perfeição: “Comecei a ver a vida com outros olhos.”
Os mais jovens acham-se intocáveis
O marido de Marlene não resistiu ao quarto ataque cardíaco em sete anos. Talvez por isso a madeirense esteja convicta de que os mais jovens se acham intocáveis. Indestrutíveis, mesmo. “O meu marido tinha excesso de peso, fumava e bebia. Acho que é necessário sensibilizar as pessoas para os hábitos saudáveis”, diz ao P3. “As consequências aparecem quando menos se espera.”
Há doze anos que o bilhete de identidade de Isabel Vilaça diz viúva no espaço destinado ao estado civil. Perdeu o marido com 31 anos, estavam casados há pouco tempo e tinham mudado para uma casa nova na véspera do acidente. “Vivia o meu casamento de uma forma muito intensa, é um choque brutal. E é, ao mesmo tempo, um sentimento de perda além da pessoa”, conta esta bancária, hoje com 44 anos. “É um projecto de vida que, de um momento para o outro, acaba” — foi assim com o desejo de ser mãe, nunca realizado. Isabel sempre viveu com muita gente à sua volta e, de repente, ficou sozinha. Não mudou de casa, ainda hoje vive no espaço que escolheu com o marido e que finalizou na semana a seguir à sua morte.
“Quando somos novos fazemos muitos planos”, reflecte a também directora da Associação Vida Norte. Com 31 anos, aprendeu a deixar de o fazer e a “ir vivendo”, sozinha. Isabel não voltou a casar, mas não tem “qualquer problema em estar só com casais”. Não se sente excluída dos programas “por ser sozinha ou não ter filhos”, ainda que haja alguns, no dia-a-dia, que não são tão do seu interesse. Acaba, “tendencialmente”, por fazer mais programas com amigos solteiros. “Há muito este preconceito social de que a felicidade passa, necessariamente, por um casamento. Claro que pode passar por aí, mas não é obrigatório que assim seja.” A primeira vez que foi sozinha ao cinema ou as primeiras férias sem ser a dois foram vitórias.
Há algo, diz, que quem passa por uma viuvez — sobretudo quando é jovem adulto — sente muito. “A nossa sociedade desabituou-se de lidar com a morte. Não é um julgamento, é uma constatação. Senti que havia muita gente com dificuldade em aproximar-se de mim: quando se enviúva, as pessoas querem agradar e dizem, sem querer, as maiores barbaridades”, pensa. Apesar de não ter criado muitas dependências — esteve casada durante um ano —, havia coisas que não estava habituada a fazer. “Odeio máquinas e pregar quadros, não tenho jeito nenhum. Mas aprendi a pedir e a desenrascar-me.”
Tentou sempre “quebrar os tabus do preto e do chorar”: optou pelo preto na roupa durante algum tempo, sim, “mas apenas porque não tinha vontade de usar outras coisas”. De um dia para o outro, voltou à cor. Ao fim de todos estes anos, Isabel continua a usar aliança de casamento, numa jóia que mandou fazer com os anéis de ambos e que raramente tira do dedo. O mesmo faz Joana Ricca, assistente de bordo com 37 anos e viúva desde os 32: “Achamos que a morte é uma coisa muito distante, que acompanha a velhice. Nunca se espera que seja numa altura em que se está a construir tanta coisa”.