Vitória número um do realizador e argumentista J. C. Chandor: aguentar durante as quase-duas horas de Quando Tudo Está Perdido um filme passado inteiramente em alto mar, sem terra à vista, quase sem diálogos e com uma única personagem. E um filme que se recusa, terminantemente, a embarcar nas boas intenções da redenção pelo sofrimento ou da força do espírito humano que tanto agradam às pouco imaginativas mentes hollywoodianas. Quando Tudo Está Perdido (por uma vez, o título português traduz correctamente o original All Is Lost) não embarca em tangas. E o desafio é tanto mais conseguido quanto Chandor apenas assinara antes O Dia Antes do Fim (2011), história de Wall Street em modo de ensemble que tinha muito de filme de argumentista e fazia lembrar os bons tempos de David Mamet. Aqui, a acção, a narrativa, a caracterização da personagem dependem exclusivamente do que se passa no ecrã - da mise en scène e do actor - para resultar.
Vitória número dois: o actor que foi buscar. Não um daqueles “grandes actores” dos “grandes papéis” contemporâneos - um Christian Bale, um Leonardo di Caprio, um Tom Hanks, um Daniel Day-Lewis - mas sim Robert Redford, golden boy de presença cada vez mais rara, estrela de outros tempos que encarna na perfeição um determinado tipo de decência e de ser americano. Redford transporta, sempre, consigo uma memória de outros tempos, de um cinema americano simultaneamente idealista e idealizado - daí que Quando Tudo Está Perdido adquira, pela sua simples presença, uma dimensão de “ponto de chegada” na carreira de um actor que sempre se manteve à distância do sistema, mas também de “requiem” por um modo de pensar e fazer o cinema que já não existe.
E, de caminho, esta é também uma refutação da confiança exclusiva na tecnologia digital para criar emoção, uma espécie de gémeo contrário do Gravidade de Alfonso Cuarón, que se resumia também a uma história de sobrevivência (no espaço, onde Chandor se mantém na terra ou, no caso, no oceano). Onde Cuarón criava uma extraordinária experiência audio-visual cujo “elo mais fraco” era o factor humano (demasiado encaixado numa gaveta melodramática), Chandor parte da humanidade da sua personagem (que nunca é nomeada) para criar uma história que sublinha a frieza impiedosa do universo de um modo muito menos reconfortante, porque não estamos lá longe no espaço sideral mas sim bem no meio do planeta em que vivemos. Quando Tudo Está Perdido encherá certamente menos o olho do que Gravidade, mas trabalha muito mais a mente. Talvez por isso (e, também, pela ausência de um grande estúdio a apregoá-lo aos quatro ventos) tenha chamado muito menos a atenção. É uma injustiça que pode e deve ser reparada.