Vila Viçosa já não vai ter biblioteca mas a autarquia fica com dois buracos: um no terreno e outro nas finanças
O projecto foi anunciado em 2008 e os trabalhos arrancaram em 2010, mas a falta de verbas fez parar a obra em 2011. Segue-se o pagamento de uma indemnização ao empreiteiro.
O projecto, anunciado em 2008 pelo presidente da Câmara de Vila Viçosa, Manuel Condenado, em véspera das eleições autárquicas de 2009, foi transformado em bandeira eleitoral da CDU — que então geria os destinos da autarquia — e dos seus opositores socialistas, apesar do elevado custo da obra, cerca de 2,4 milhões de euros.
A justificação apresentada em defesa do projecto assentava no facto de a população de Vila Viçosa não dispor de uma biblioteca municipal, apesar de existir na vila um Arquivo Histórico Municipal, a Biblioteca Florbela Espanca e o Arquivo da Casa de Bragança.
Para levar por diante a ideia, o executivo municipal aprovou, em Janeiro de 2009, a contracção de um empréstimo de longo prazo, junto da Caixa Geral de Depósitos, destinado a financiar a construção do Biblioteca e do Arquivo Municipal de Vila Viçosa até ao montante de 1.900.000 de euros. Em Outubro daquele ano, o resultado eleitoral retirou a autarquia ao controlo da CDU e o novo presidente, Luís Caldeirinha Roma, eleito na lista do PS, assumiu o projecto, anunciando a sua execução em Março de 2010.
O autarca revelou que o novo equipamento cultural seria erguido junto ao Museu do Mármore, instalado na antiga estação de caminho-de-ferro, e que era “a principal obra” da autarquia a efectuar naquele ano. A construção seria comparticipada através do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), integraria o património da Biblioteca Florbela Espanca e “permitiria o acesso da população à informação e à leitura num espaço adequado e confortável”.
Mas um ano depois a obra, entretanto adjudicada à Lena Engenharia & Construções S.A., ainda se encontrava na fase de escavações, por dificuldades de financiamento do projecto. A maioria socialista no executivo municipal de Vila Viçosa, pressionada pelas novas normas impostas pelo Governo em relação aos limites do endividamento das autarquias, propôs à mesa da assembleia municipal, em Abril de 2011, que decidisse entre prosseguir as obras da biblioteca ou aceitar as consequências da rescisão do contrato de adjudicação da obra com o empreiteiro.
Os eleitos socialistas propuseram que a assembleia municipal emitisse “parecer favorável” à continuação da obra da Biblioteca e Arquivo Municipal, “com todas as consequências que daí advém, nomeadamente a possibilidade de cair em endividamento excessivo”, e a decisão foi aprovada por maioria.
Contudo, isso não impediu que em Setembro de 2011, Caldeirinha Roma se visse forçado a anunciar a suspensão dos trabalhos, alegando que a sua continuação poderia vir a provocar “a asfixia financeira” da autarquia. As circunstâncias, argumentou, impunham que o município optasse por outras prioridades de âmbito social, onde a biblioteca não tinha cabimento.
O projecto teria de ser “suportado pelos cofres da câmara em cerca de dois milhões de euros”, afirmou o autarca, frisando que face “aos cortes orçamentais” decretados pelo Governo, o projecto deixara de ser viável. Em dois anos, as transferências do Estado para a Câmara de Vila Viçosa, foram reduzidas em 640 mil euros.
Por outro lado, a gestão municipal estava ainda confrontada com “15 empréstimos” contraídos entre 2000 e 2009 pela gestão comunista do município, os quais representavam “um encargo financeiro anual na ordem dos 550 mil euros”, um montante que inviabilizaria a mobilização de recursos para a biblioteca.
O escrutínio nas autárquicas de 2013 acabou por devolver a gestão da Câmara de Vila Viçosa à lista da CDU, novamente liderada por Manuel Condenado, o candidato que Caldeirinha Roma tinha derrotado em 2009. Manuel Condenado, porém, não teve outro caminho que não fosse accionar o processo de rescisão da empreitada, decisão que vai custar aos cofres da autarquia mais de 188 mil euros.
E agora foi a vez do presidente de Manuel Condenado se queixar do passivo herdado do anterior executivo socialista, que, afirma, deixou a autarquia numa situação de “grande dificuldade financeira”. Nestas circunstâncias, adiantou, não é possível dar continuidade ao projecto anunciado em 2008. No lugar de uma biblioteca está agora um buraco aberto pelas escavações e uma indemnização para pagar ao empreiteiro.
O PÚBLICO solicitou mais esclarecimentos sobre este processo, mas tanto o presidente da Câmara de Vila Viçosa como a empresa Lena Engenharia & Construções, se escusaram a prestá-los.