A ciência está sem rumo!

Dizem querer a excelência quando a estão a destruir.

Quintuplicámos o número de novos doutorados e duplicámos o número de investigadores e de despesa em I&D para patamares de convergência com os indicadores europeus e da OCDE. Triplicámos as patentes internacionais e reforçámos a atração de investimento estrangeiro com provas inequívocas de competitividade. Tínhamos iniciado um processo de recuperação que necessitava, para ter continuidade, de um nível de estabilidade que não se compadece com as incertezas existentes hoje na Ciência.

O investimento em Ciência devia ser um desígnio nacional, uma ideia partilhada por todos para alavancar a saída da crise, mas esse investimento está a ser destruído pela obsessão neoliberal deste Governo e por um programa ideológico radical de destruição de tudo o que é público, que agora também chega à Ciência. Um programa de empobrecimento que nos faz recuar 20 anos, nos faz perder o investimento feito e reduz a investigação para um número limitado de áreas e instituições. Resta saber quem serão os eleitos desse novo apoio?

A hierarquização das ciências é errada, não há ciências boas e ciências más, todas são importantes para sustentar uma visão integrada do conhecimento e do desenvolvimento do país para patamares que nos permitirão vencer a crise que vivemos. O desenvolvimento de umas sem as outras leva ao empobrecimento de todas, e as ciências sociais e humanas estão a ser discriminadas, não lhes tendo sido concedido o já reduzido financiamento dos 10% estipulado para todas as áreas de investigação.

O desinvestimento em Ciência não se mede apenas pelas restrições orçamentais que, contrariamente ao que afirma o Governo, registaram uma quebra de 200 milhões de euros, ou seja, menos 11%, entre 2011 e 1012, e o ligeiro aumento que se verificou em 2013 deve-se sobretudo à reposição dos subsídios de férias e de Natal a que o Governo foi obrigado pelo Tribunal Constitucional. A comunidade científica têm vindo a denunciar esses cortes, que atingiu em 2013 uma quebra de mais de 30% nos laboratórios de associados e 16% nos laboratórios do Estado. Em tempos de crise, as nossas instituições científicas têm vindo a competir num domínio muito exigente à custa da sua auto-sustentabilidade.

Se a desorçamentação da área não existe, como afirma o Governo, porquê então esta razia em todos os apoios da FCT?

Mas o desinvestimento em Ciência mede-se também pela falta de visão estratégica para com o setor e pela inversão na tendência de crescimento dos principais indicadores. O ministro orgulha-se de a FCT apoiar 12 mil investigadores, a secretária de Estado diz que temos investigadores a mais. Entendam-se!

Uma coisa é certa: com os cortes brutais de 65% nas bolsas de pós-doutoramento e 40% nas bolsas de doutoramento, teremos rapidamente investigadores a menos, aliás já escasseavam, mesmo antes dos cortes, em alguns projetos que estão a ser interrompidos por falta de investigadores.

O Governo acordou tarde e mal para a Ciência. Dizer que estão a introduzir mecanismos de maior competitividade e exigência nos concursos e que estão a trabalhar para reter no país e atrair do estrangeiro investigadores competitivos é negar a internacionalização da Ciência que estava em curso e que este Governo deixou cair, ao reduzir para metade os apoios às parcerias internacionais e ao deixar ir embora a maioria dos investigadores estrangeiros que tínhamos conseguido atrair, perdendo-se, desse modo, um capital de investimento que vai demorar muito tempo a recuperar.

É um absurdo dizer que querem atrair investigadores quando estão a expulsá-los! Querem menos investigadores, para se constituir uma elite de excelência que seca tudo à volta. Mas a elite de excelência já estava a construir-se sem se secar os patamares anteriores de onde era recrutada. Como é que querem atrair os melhores quando deixam sair os melhores, sendo a “fuga de cérebros” quotidianamente denunciada pela comunidade científica? Um absurdo!

Ao quererem elevar o indicador de “excelência” à custa da queda do “número de investigadores por mil ativos” (relembro que conseguimos atingir o 5.º lugar no ranking europeu), vão lançar milhares de investigadores no desemprego numa fase crítica da vida do país e das famílias e não vão seguramente alcançar melhorias nenhumas no indicador pretendido, por ausência de sustentabilidade.

Esta visão errada está a decapitar a Ciência, como recentemente foi afirmado pelo Conselho dos Laboratórios de Estado onde se integram alguns dos maiores cientistas portugueses com prestígio internacional. Chamam à desorientação, mudança paradigmática e dizem querer a excelência, quando a estão a destruir!

Falta de excelência têm os procedimentos pejados de ausência de transparência, irregularidades, aberturas depois de prazo, regras que se mudam a meio do jogo, compromissos estipulados que não são cumpridos, classificações que são alteradas, o que têm levado a denúncias veementes dos bolseiros, da comunidade científica e à demissão de júris que dizem “estarem perante um ultraje que, a juntar à drástica redução das bolsas, produz efeitos irreversíveis no desenvolvimento da Ciência no país”.

Como podem querer recrutar excelência e exigência quando ela falta nos procedimentos que a pretendem promover? Um absurdo!

Chamam a isto novo paradigma – só se for, pedindo emprestado o termo a Edgar Morin, um Paradigma Perdido!

Deputada do PS, socióloga, investigadora

 

 

 
 
 
 
 
 

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