Aos calimeros (e aos outros)

“Quem não se sente não é filho de boa gente”, já diz o adágio. E os leitores ficaram sentidos com as palavras e o com o tom daquele Ferreira. E o que fizeram? Queixaram-se. Calimeraram-se. Sem grande razão

Foto
Flickr/lamazone

A crónica do P3 intitulada “Já não há pachorra para os Calimeros” gerou grande sururu por parte de muitos leitores. Foram mais de 100 mil visualizações (é o Estádio do Maracanã cheio), quase 10 mil “likes” e milhares de comentários indignados. Não faltou chamar nenhum nome ao autor. Tenho quase a certeza que o próprio recebeu ameaças de violência física e morte via Facebook.

Fiquei curioso e fui ler o texto. Concluí duas coisas: o gajo critica e satiriza os jovens recém licenciados e escreve com aquela assertividade e pedantismo que os portugueses abominam. Principalmente quando vindas de um desconhecido que se apresenta como nascido em 1980 e adepto de gelatina de morango.

Já se sabe como as coisas são. No país da sofisticação e do requinte, alguém que revele apenas a idade e uma corriqueira preferência culinária não merece qualquer crédito. “Quem é este pacóvio?”, perguntaram muitos indignados.

Mas esqueçamos, para já, esse energúmeno insensível e fanfarrão. E foquemo-nos no conteúdo do texto. É sobre os jovens recém-licenciados que o pedante escreve. É eles que critica. Não critica os portugueses em geral. Nem os emigrantes. Muito menos os desempregados. Satiriza, única e exclusivamente, os jovens recém-licenciados. Emigrados ou em vias de emigrar. E o texto está cheio de referências a este perfil: “jovem”, “20 e poucos anos de idade”, “geração Lol”, “imberbes adultos”, “parvenu”.

E o que escreve o palhaço sobre estes jovens? Diz que não existe, em Portugal, capacidade para dar emprego qualificado a todos eles. A mim parece-me uma tirada banal. Como dizia o outro “é só fazer as contas”.

Mas este betinho nascido em berço de ouro diz ainda que a aceitação de um emprego abaixo das qualificações ou a emigração são duas soluções para quem não encontra, em Portugal, o emprego qualificado com que sonha.

Ele não diz que são soluções fáceis ou perfeitas. Nem que são as óptimas para os jovens e para o país. Nem que a falta de experiência profissional destes jovens não é um obstáculo difícil de ultrapassar para quem procura um emprego. Nem diz que os Governos e os portugueses estão inocentes no facto de a economia não se ter desenvolvido ao mesmo ritmo que a educação. Diz só que essas duas soluções são as possíveis no presente. E que há que ser pragmático e escolher. Em suma: mais uma banalidade do engomadinho que não sabe o que é a vida.

A besta provoca estes jovens recém-licenciados, chamando-os várias vezes de Calimero. Porque, escreve o mentecapto, este lamentam em demasia a falta de oportunidades num país que tanto investiu neles.

A mim parece-me justo que o Nuninho já não tenha pachorra para os aturar. É que, de entre todos os portugueses que sofrem com esta crise, os jovens recém-licenciados são os que menos razões têm para pedinchar quando já há tão pouco. Porque são jovens. E porque são recém-licenciados. Bem pior estão os outros. Raciocínio básico, mais uma vez.

O animal que escreve tão vil crónica diz ainda que a comunicação social dá demasiado palco a estes jovens. Não é difícil perceber porque é que ele diz isto. É que, por definição, os mais bem preparados são os que necessitam de menos protecção e exposição. E o facto de o país ter investido tanto na formação destes jovens, isso não lhes dá o direito a pedirem também um emprego. Coisa que outros portugueses, desta e de outras gerações (e alguns bem menos formados), não pediram.

No meio de tanto ódio que vi destilado para com este galo de Barcelos, o único argumento que me mereceu compaixão foi o de que a sociedade e as universidades andaram, durante anos, a iludir os jovens com um emprego superior depois do canudo. E que foram criados cursos (em quantidade e qualidade) desajustados à necessidade do país. E quem está a pagar são os jovens. Isto é verdade.

Mas também é verdade que a geração mais bem preparada devia conseguir compreender melhor o país onde vive e deixar de ir em cantigas propagandísticas sobre o senhor doutor e o empreendedor “batepunho” com que governos, reitores e até pais gostam sonhar. É que estar bem preparado também é isto: possuir algum cinismo e perceber o que enfrentamos. Não encontrei por isso qualquer maldade no conteúdo do texto deste gajo.

Mas compreendo que a assertividade, a arrogância e o “alto do pedestal” com que o porco escreveu provoquem urticária a muita gente. Afinal de contas este é o país onde poucos se atravessam. E onde quase todos adoram palmadinhas nas costas, paninhos quentes e tretas politicamente correctas.

“Quem não se sente não é filho de boa gente”, já diz o adágio. E os leitores ficaram sentidos com as palavras e o com o tom daquele Ferreira. E o que fizeram? Queixaram-se. Calimeraram-se. Mas neste caso (e como em tantos outros) sem grande razão.

Sugerir correcção
Comentar