O ideal de Presidente de Passos Coelho: que não seja mais um protagonista político

Na moção que levará ao Congresso daqui a um mês, o chefe de Governo não desperdiça a oportunidade de dar recados a Seguro, Portas e Cavaco. E retira as ilusões de que findo o programa de ajustamento, terminem as regras da troika.

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Para Passos, um Presidente da República deve “mover-se acima dos partidos” Nuno Ferreira Santos

É já na parte final do documento que Passos traça o “perfil” do que lhe convém em Belém, cumprida a ambição de ser reeleito primeiro-ministro. Aproveita o primeiro-ministro em funções para dizer que o PSD se revê “globalmente” no mandato de Cavaco Silva, “apesar das diferenças naturais”, que não explicita, e agora que estão “afastados os receios e os maus augúrios de outros em torno da espiral recessiva”. Foi Cavaco quem inaugurou a expressão na mensagem de Ano Novo que dirigiu ao país a 1 de Janeiro de 2013.

Embora prometa que, mais tarde, o PSD irá elaborar “um perfil desenvolvido” do que considera “adequado” ao papel do Chefe de Estado, fica já divulgada uma extensa lista de atributos para o cargo. Deve “mover-se acima dos partidos”, evitar tornar-se num “protagonista catalisador” de “contrapoderes”.

O PR não deve “complicar ou bloquear”, deve “comportar-se como um árbitro ou moderador” e, ao mesmo tempo, que deve mover-se “acima dos partidos”, tem de evitar tornar-se num “protagonista catalisador” de “contrapoderes”. Não pode ser um “catavento de opiniões erráticas” nem deve buscar a “popularidade fácil” e a sua influência terá de ser “mais ou menos discreta” e não se colocar como "mais um protagonista político na disputa geral”.

Se no domingo Marcelo Rebelo de Sousa considerou que a descrição de Passos o “excluía” de uma hipotética corrida a Belém, esta segunda-feira o próprio disse que a moção “não exclui nem inclui" ninguém. “Não definimos o candidato que o PSD vai apoiar. A vontade de candidatura deve partir do candidato”, afirmou Passos Coelho, em Tondela.

Moção causa incómodo
Foi nessa linha que a ministra da Justiça preferiu dizer que todos têm a liberdade de ser candidatos e que aí, sim, deve o partido pronunciar-se. Paula Teixeira da Cruz negava assim que estivesse criado na direcção do partido uma espécie de “corredor” para Durão Barroso. Nem “agitamentos nem afastamento” de nomes. “Na altura em que estiverem e se apresentarem, cá estaremos para fazer esse comentário", disse a social-democrata. 

No entanto, o PÚBLICO sabe que a moção de Passos, sobretudo no esboço do perfil do próximo Presidente, está a causar incómodo nalguns sectores do PSD. Não só é dado por certo que tal exclui Marcelo Rebelo de Sousa da corrida, como também Rui Rio. Há quem veja um recado para o ex-presidente da Câmara do Porto na passagem da moção em que se lê que o Chefe de Estado deve evitar tornar-se "numa espécie de protagonista catalisador de qualquer conjunto de contrapoderes".

"O que Passos Coelho faz é romper com o velho PSD, e neste contexto 'matar' Marcelo Rebelo de Sousa [enquanto candidato presidencial] é um acto de glória", diz ao PÚBLICO um destacado militante social-democrata, que pediu para não ser identificado. Mas em seu entender, o efeito pode ser o contrário: dar força ao actual comentador político, afirmá-lo como presidenciável, e capitalizar os descontentes.

Mas não só. Em alguns sectores do PSD a moção do actual primeiro-ministro enferma de "auto-suficiência" e "arrogância política", ainda por cima com um texto considerado "fraquinho". Nas palavras de outro militante de relevo, que também pediu o anonimato, parece que o líder social-democrata aposta tudo na política do fait divers, para distrair as atenções da realidade actual.

Prematuro falar da solução pós-troika
Com “moderado optimismo”, o primeiro-ministro dá as cartas para a fase pós-troika e retira as ilusões a quem poderia acreditar que findo o programa de assistência, terminariam “as regras do regime da troika”. Mas é mais cauteloso sobre a solução para a saída da troika por parte de Portugal do que aquilo que tem dito nas últimas semanas.

 Aqui, não se arrisca a falar numa saída “à irlandesa” nem em programa cautelar. “É por enquanto prematuro fazer qualquer exercício de ponderação sobre as condições objectivas” que, mais perto do final do programa, “determinarão a melhor solução de transição” para o país, lê-se no documento. “Veremos no tempo próprio, com os nossos parceiros, se e em que termos esse apoio poderá ser prestado”, acrescenta-se.

Em qualquer caso, o líder do PSD insiste na necessidade de “definir o mais rapidamente possível um compromisso efectivo e plurianual para a diminuição do peso da despesa pública”, também para mostrar “a nossa determinação na diminuição consistente da dívida”. E aqui volta a insistir nas vantagens de um “entendimento alargado”, envolvendo “designadamente o principal partido da oposição” (ver caixa).

O sufrágio a que Passos dedica menos palavras é o mais próximo temporalmente. Apesar das eleições europeias marcadas par 25 de Maio,  o líder do PSD espera que constituam uma boa oportunidade para fazer “um balanço” da gestão das crises europeias, assim como para medir “o grau de ambição” que os europeus acalentam. Pela sua parte, compromete-se a defender mais “unidade, solidariedade e responsabilidade” na Europa.

PS sem capacidade de compromisso
É também na moção Portugal Acima de Tudo que Passos faz o balanço da prestação do principal partido da oposição nestes dois anos e meio de governação. Um PS que tem demonstrado “menor capacidade” de compromisso do que os parceiros sociais, diz o presidente social-democrata. Aliás, a reforma do IRC, alcançada em Dezembro do ano passado, é considerada uma “excepção” à indisponibilidade dos socialistas para um “processo maduro e consequente de compromisso político”. Conclusão do presidente do PSD: O PS apostou na “profecia da espiral recessiva” e se o Governo lhe tivesse “dado ouvidos”, estaria agora o país à beira de um segundo resgate.

Apesar das críticas, Passos Coelho apela a um novo “ contrato de responsabilidade colectiva”, que inclua justamente o PS. Seria “um memorando de confiança” para o crescimento e o emprego.

Se o PS não escapa ao escrutínio de Passos, também Paulo Portas é apanhado nas críticas para que o principal parceiro da coligação faça o auto-elogio. Ou seja, apesar dos “custos políticos elevados”, o PSD manteve-se unido, “sem estados de alma e hesitações”. Esta é a única ténue referência à crise política de Julho de 2013, depois das demissões de Vítor Gaspar e Paulo Portas, que terminaria com a ascensão do líder do CDS a número dois do Governo. Apesar disto, o PSD não exclui a “possibilidade extraordinária” de concorrer às legislativas do próximo ano em “coligação pré-eleitoral” com o CDS.
 

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