Toda a “arte degenerada” vai estar online

Museu Victoria and Albert, em Londres, vai disponibilizar em PDF inventário de obras de arte confiscadas pelos nazis no começo da Segunda Grande Guerra.

Joseph Goebbels, ministro da Propaganda (de gabardine) de Hitler visitam uma exposição de "arte degenerada" em Munique, em 1937
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Joseph Goebbels, ministro da Propaganda (de gabardine) de Hitler visitam uma exposição de "arte degenerada" em Munique, em 1937 DR
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Uma página do inventário que estará em breve online, incluindo referências a obras de Kandinsky, Kirchner, Klee ou Kokoschka Cortesia: Victoria and Albert Museum
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Fila à porta da exposição em Hamburgo, em 1938 DR
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Light Sea, 1915, de Emil Nolde.Vendido a Karl Buchholz, marchand de Berlim, por um valor não especificado Museu Nolde em Seebüll
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Desenho de Henry Moore para sete figuras de pedra, de 1931. Retirado de um museu de Hamburgo e vendido aos negociantes de arte Karl Buchholz ou Hildebrand Gurlitt, por cinco francos suíços The Henry Moore Foundation

“Arte degenerada” – “entartete Kunst”, em alemão – é a expressão usada pelo Reich para identificar as obras que não agradavam ao Führer e não respeitavam os cânones defendidos pelo regime (no geral, arte moderna e, em particular, o expressionismo alemão).  
 
Entartete Kunst foi também o título de uma exposição que os nazis promoveram em Munique em 1937, com obras confiscadas dos museus alemães, e num deliberado contraponto à Große Deutsche Kunstausstellung (Grande Exposição de Arte Alemã), inaugurada na mesma ocasião. O objectivo era mostrar até que ponto esta arte “degenerada” de inspiração judaica era inferior à arte clássica alemã, “racialmente pura”. Um mês e meio depois de abrir, a exposição Entartete Kunst já tinha sido vista por um milhão de pessoas, mais do dobro dos que visitaram a mostra de “arte alemã”.

A lista da arte que os nazis retiraram dos museus germânicos, cuidadosamente compilada pelo Ministério da Propaganda do Reich em 1941-42, foi dividida em dois volumes e cobria as cidades alemãs por ordem alfabética, explica o jornal especializado The Art Newspaper na sua edição online. Os arquivos de Berlim guardam duas cópias do primeiro volume (A a G), mas o segundo (G a Z) julgava-se perdido até que, em 1996, a viúva de Heinrich Fischer, um negociante de arte que fugira de Viena no final da década de 1930 para se estabelecer em Londres, doou uma cópia à biblioteca de arte do V&A, sem que tivesse ficado claro como tinha ela ido parar às mãos do marido.

Apesar de terem passado quase duas décadas sobre esta doação e de o segundo volume ter sido posto à disposição dos investigadores em fotocópias e microfilme, só no ano passado é que Martin Roth, o actual director do museu, se deu conta de que ele existia no arquivo do V&A. E ficou muito surpreendido que, em todo este tempo, tivesse suscitado tão pouco interesse.

Roth decidiu inverter esta situação pedindo que o volume fosse integralmente digitalizado - no início de Fevereiro estará acessível no site oficial do museu, página a página, em PDF e preparado para pesquisas. Este inventário que identifica obras, compradores e preços, também assinala com um “X” as que foram simplesmente destruídas. Lembra o Art Newspaper que, apenas numa noite de 1939, no centro de Berlim, cerca de cinco mil pinturas e desenhos foram queimados. Mas muitas obras estão ainda simplesmente desaparecidas.

A casa de Munique

No volume que estará em breve no site aparece muitas vezes o nome de Hildebrand Gurlitt, o marchand e galerista de origem judaica que chegou a trabalhar para os nazis e que lhes terá comprado muita “arte degenerada”. Foi num apartamento em Munique que pertence ao seu filho Cornelius que as autoridades alemãs descobriram em Novembro, por trás de uma parede de latas de conserva fora de prazo, 1400 obras cujo paradeiro se desconhecia desde o início da década de 1940.

Esta descoberta deverá marcar o início de uma série de disputas legais pelo direito a usufruir deste património, encabeçadas por museus e pelos descendentes de coleccionadores judeus que se viram privados dos seus espólios. “O recente caso Gurlitt reforça a importância de disponibilizar na íntegra o documento [inventário] original, ao maior número possível de pessoas”, diz o director do V&A no comunicado citado pelo diário norte-americano The New York Times, acrescentando que “a lista é altamente significativa para todos aqueles que pesquisam a proveniência [destas obras]”.

Quanto à possibilidade de museus e descendentes virem a reclamar os seus direitos com sucesso, as dúvidas são grandes. As obras encontradas em casa de Cornelius Gurlitt e outras, algumas delas penduradas hoje nas paredes de importantes museus nos Estados Unidos, foram confiscadas ao abrigo de uma lei aprovada em 1938 e vendidas no mercado aberto.
 

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