Carne de mais de 1500 macacos chega aos mercados da Guiné-Bissau todos os anos
Estudo de equipa portuguesa conclui que aos mercados urbanos não chega nem metade dos animais caçados.
Mais de 1500 macacos são vendidos anualmente como carne nos mercados urbanos da Guiné-Bissau, mas muitos mais são caçados e não chegam ao destino, revelam investigadores portugueses que temem a extinção de algumas espécies – noticiou esta segunda-feira a agência Lusa.
"A um ritmo destes, este nível de caça aliado à fragmentação do habitat e à destruição de habitat permite-nos prever que em menos de dez anos desapareçam grande parte das populações de primatas”, alerta Tânia Minhós, bióloga portuguesa que é a primeira autora de um estudo publicado na revista Biological Conservation, que inclui outros investigadores de Portugal e da Universidade de Cardiff, no Reino Unido.
O estudo conclui que seis das dez espécies de primatas existentes na Guiné-Bissau são comercializadas, com uma estimativa mínima de 1550 animais vendidos nos mercados urbanos em cada época seca, período que dura cerca de nove meses. O macaco-de-campbell é a espécie mais vendida no país.
No entanto, explica Tânia Minhós à Lusa, o número de animais caçados será muito maior, já que aos mercados urbanos só chega uma pequena parte, entre 30 e 40%.
A investigadora – do Instituto Gulbenkian de Ciência de Oeiras e do Centro de Administração e Políticas Públicas do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), em Lisboa – diz que todas as populações estudadas pela sua equipa – de chimpanzés, babuínos e cólobos – “estão fortemente ameaçadas de extinção”.
“Estimei o número de indivíduos de cólobos e estão entre 200 e 300 indivíduos. Normalmente assume-se a regra, aplicável a todos os mamíferos, de que abaixo de 500 indivíduos a população não é viável. Quer dizer que estas populações vão desaparecer num futuro muito próximo se não se fizerem esforços muito focados na conservação”, alerta a bióloga.
Questionada sobre o que deve ser feito, a investigadora referiu que “o principal será parar as ameaças a que [as espécies] estão sujeitas”, nomeadamente a caça e a destruição do habitat.
No entanto, a conservação não é um processo fácil na Guiné-Bissau: “Por muita vontade, há toda uma questão monetária”, recordou, afirmando que o Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas da Guiné-Bissau não tem fundos para a logística necessária à manutenção das áreas protegidas, como contratar guardas florestais ou adquirir veículos.
Um petisco com pão e bebidas
Os cientistas constataram também que é difícil identificar as carcaças de primatas que chegam aos mercados urbanos, o que compromete os esforços de conservação. Como os cadáveres chegam alterados – é-lhes retirada a pele e são fumados para aguentarem o transporte –, é difícil identificá-los. Análises de ADN, realizadas pela equipa de Tânia Minhós e Maria Joana Ferreira da Silva, permitiram concluir que existe uma grande taxa de erro na identificação feita pelos vendedores.
“Vendem gato por lebre. Diziam estar a vender uma determinada espécie, mas depois a grande maioria pertencia a outra espécie”, conclui Maria Joana Ferreira da Silva, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio) da Universidade do Porto.
Segundo a investigadora, isto tem consequências para a conservação: “Podemos estar a assumir que existe uma determinada espécie que é muito caçada e muito vendida nestes mercados, podemos estar a definir medidas de conservação tendo em conta esta espécie, mas na verdade são outras espécies as mais vendidas.”
A carne de macaco é tradicionalmente consumida em zonas rurais, para subsistência, mas há actualmente “um comércio organizado”, cujo principal destino são os mercados urbanos em Bissau, relata Tânia Minhós.
A carne de macaco não é consumida como refeição principal, adianta a investigadora: “É um consumo de petisco, um 'snack', acompanhado de bebidas alcoólicas e servido com pão.”
Além disso, os cientistas constataram que o consumo desta carne é “mais um luxo do que uma refeição”, já que tem um preço relativamente elevado para os padrões da Guiné Bissau: “Um prato pequeno custa dois a três euros, o que significa que são pessoas com algum poder económico que têm acesso a este tipo de carne.”