Um duplo exercício de cobardia política
Fugir a uma decisão e impor outra pela força não fica bem a um partido que tanto fala em liberdade.
Dizem, agora, que o PSD se arrependeu de ter deixado passar no Parlamento em Maio de 2013, com a ausência de muitos dos seus deputados, uma proposta de lei do PS sobre a co-adopção por casais homossexuais. Se isso é verdade, e já que a proposta de lei passou à discussão na especialidade de forma lícita e sem quaisquer golpes, devia ter mobilizado os deputados, em particular os faltosos, para que ela fosse derrotada na votação final. Ora, em lugar de assumir claramente uma posição, argumentando publicamente em seu favor, resolveu empurrar a escolha para um referendo popular. Que, naturalmente, foi recebido com indignação pelos restantes partidos, fosse por razões éticas ou até de esbanjamento inútil de dinheiros públicos (como argumentou o CDS) sem justificação plausível. Não contente com este exercício de cobardia política, a que nos podia ter poupado, o PSD juntou-lhe outro: a imposição da disciplina de voto, claro sinal de desconfiança nos seus próprios militantes e deputados. Viu aprovado o referendo, como sabemos, mas não sai bem visto da contenda. Até porque, no referendo proposto, junta duas coisas que não deviam estar juntas, por razões óbvias: a co-adopção (discutida na especialidade nos últimos meses, com proposta de lei própria) e a adopção por casais homossexuais, que já foi derrotada duas vezes no Parlamento e não tem nenhuma proposta de lei na mesa. O truque é baixo, mas é óbvio: quem condena uma, condenará automaticamente as duas. O PSD livra-se de “culpas” e deixa-as para o “povo”. Não se assume frontalmente contra nem deixa que outros, entre pares, se assumam (como sabemos que se assumem) a favor. À liberdade de decidir numa matéria que cabe claramente ao Parlamento (o que implica poder dizer “não” mas também “sim”), prefere uma escolha alheia que politicamente o iliba. Não é exemplo que se recomende, nem para o partido nem para Portugal.