À espera que o vento mude
Para os próximos anos, as perspectivas do Instituto de Ciências Sociais, instituição de excelência, um dos centros de investigação visitados pelo PÚBLICO no âmbito deste dossier dedicado à ciência, são de redução da produção científica, do número de investigadores e de bolseiros.
“São cinco andares de salas de trabalho, de reuniões, de gabinetes”, diz-nos Jorge Vala, director do ICS, que nos acolhe neste fim de tarde. Tudo aqui foi feito, explica-nos, para fomentar a interacção intelectual entre as pessoas. “Temos boas instalações, funcionais e com bom gosto”, salienta com um sorriso. “E todos os dias temos encontros e reuniões científicas a decorrer, com 30 a 40 colegas de outras instituições a visitar-nos.” No primeiro andar, a biblioteca também é particularmente convidativa e aprazível, tal como as salas de trabalho dos estudantes.
O ICS – hoje com 87 investigadores (28 do quadro, 16 com contratos a termo e 35 de pós-doutoramento), 125 estudantes de doutoramento e cerca de 50 colaboradores de projectos de investigação – está, no entanto, a lidar com as mesmas dificuldades que muitas outras instituições científicas portuguesas. O seu financiamento anual através do Orçamento do Estado caiu de 2,6 milhões de euros em 2010 para 1,9 milhões de euros em 2013; o financiamento vindo da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que era de quase 1,4 milhões de euros em 2010, passou para 941 mil euros em 2013; e das 14 bolsas de pós-doutoramento atribuídas pela FCT no concurso de 2012 (com início em 2013) passou-se para apenas quatro bolsas no concurso de 2013 (cujos resultados foram agora anunciados).
Uma ironia: a megabolsa europeia atribuída há dias à socióloga do ICS Sofia Aboim pelo Conselho Europeu de Investigação foi de quase 1,3 milhões de euros… “A União Europeia em crise investe na ciência”, diz Jorge Vala. “Mas Portugal faz o contrário.” E acrescenta: “O que se espera da FCT é uma visão estratégica para a ciência e para o papel das ciências sociais; objectivos claros e apoio sistemático à internacionalização e captação de fundos europeus; e previsibilidade, exigência e qualidade nos processos de avaliação.”
O ICS consegue manter os seus cânones com o actual financiamento? “Temos estado a viver dos investimentos mais elevados dos anos anteriores e a nossa produção científica tem estado sempre a crescer, também graças a esse investimento”, salienta Jorge Vala. “Mas não vamos conseguir manter esses níveis – e isso apesar de se estar a fazer um esforço muito grande de captação de fundos internacionais.”
"[Quanto a recrutar novos doutorandos], se o financiamento da FCT for inferior ao que temos hoje, será muito difícil”, diz Jorge Vala. “Não pode haver êxito das instituições sem a FCT. E sem instituições, não há ciência”, frisa. Jorge Vala acredita, contudo, que, a partir de 2016-2017, estas tendências possam vir a inverter-se – ou pelo menos a estabilizar.
O ICS também tem vindo a perder jovens investigadores. Dos 19 que trabalhavam no ICS em 2012 com contratos a termo, sete emigraram para instituições no estrangeiro. Outros entraram, mas o seu número actual já acusa uma tendência para diminuir.
Esse vazio já se nota? “A grande sangria vai ser no final deste ano, porque muitos terminam os seus contratos”, responde Jorge Vala. “Até aqui, tínhamos mais gente por gabinete; agora, os investigadores do quadro vão começar a ter gabinete próprio”, acrescenta com ironia. E logo a seguir: “Espero que durante pouco tempo.”