E se… não houvesse mais "ses"?
A notícia dos resultados das candidaturas a bolsas de doutoramento e pós-doutoramento atribuídas pela FCT trouxe incerteza. Dos 3 416 candidatos a bolsas de doutoramento, só 298 receberam a bolsa. De "pós-doc", apenas 233 cientistas foram contemplados, entre 2 305 candidatos
Queria começar com a história bonita da criança que descobriu a ciência, naquele dia extremamente peculiar e com aquela situação caricata. Mas não tenho essa história. Não tenho essa história porque a única coisa que me lembro é do fascínio inexplicável pela ciência. Cresci, e o fascínio também. Hoje, além do fascínio, eu, como tantos outros, tenho de viver com outro sentimento: a incerteza.
A notícia dos resultados das candidaturas a bolsas de doutoramento e pós-doutoramento atribuídas pela Fundação para Ciência e a Tecnologia (FCT) trouxe essa incerteza. Dos 3 416 candidatos para bolsas de doutoramento, só 298 receberam a bolsa. No caso dos pós-doutoramentos, só 233 cientistas receberam bolsas entre 2 305 candidaturas.
E assim se levantam todas as questões.
Segundo a Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), os resultados “revelam uma política de desinvestimento e de abdicação de defesa dos interesses nacionais em detrimento das opções ditadas em esferas internacionais”. Enquanto o governo recusa as críticas de que está a desinvestir na área da Ciência e afirma que “o dinheiro injectado é mais do que em anos anteriores, só comparável com 2007, isto tudo graça à gestão de fundos, nomeadamente fundos comunitários.” Afinal, desinvestimento ou investimento?
Um sistema com um grau de desordem elevado, se fosse possível aplicar as leis da termodinâmica. Ninguém se entende, não se dá a entender afinal qual a visão e estratégia que podemos esperar para o desenvolvimento da ciência. E com isso eu como tantos outros, que se deixaram fascinar por este mundo onde cada pequena descoberta nos faz acreditar que algo melhor está para vir, vivemos na incerteza de podermos continuar a fazer esse mundo melhor. Carlos Fiolhais disse que “ao diminuir o investimento da ciência, ao recusar emprego a jovens cientistas muito bem preparados, estamos a deitar fora a chave do futuro”. É mesmo assim que nos gostamos de sentir quando somos jovens. Como a chave do futuro. Mas temos de ter condições para o ser, têm de investir em nós.
A ciência faz parte da nossa sociedade e é fundamental para o seu desenvolvimento. E hoje, mais do que o fascínio das estrelas e dos planetas, do borbulhar explosivo numa experiência ou de conseguir ver células ao microscópio, fascina-me tudo o que isso pode trazer a todos nós. Fascina-me o desenvolvimento a todos os níveis que a ciência pode trazer a uma sociedade. E gostava que todos se fascinassem, ou pelo menos percebessem isso. Soubessem o que é feito, como é feito, e o benefício que todo o conhecimento que está a ser produzido tem.
E se a ciência também é feita de incerteza, de "ses" que se levantam e que todos os dias tentam responder, só há uma incerteza que me assusta: a de deixar de ser possível dar oportunidades a quem tenta responder a esses "ses".