Guildas de Arquitectos: um projecto exportador

Noventa e dois por cento é o inacreditável número da abstenção na recente eleição para a Ordem dos Arquitectos; pouco mais que um “táxi” de votantes, para usar a famosa metáfora da política nacional. Após anos de recessão, e num momento em que se começam a vislumbrar sinais positivos na economia, sabemos intuitivamente que para o mundo da arquitectura não será assim. Portugal está tecnicamente “construído” para a demografia que tem. Por sua vez, o último bastião de esperança — a reabilitação urbana —, não chega para todos. O risco de completa erosão e falência financeira da profissão está iminente. Talvez por isso este seja um momento único para emanar um novo modelo de trabalho entre arquitectos; um modelo que desafie os velhos paradigmas corporativos da disciplina, assumindo que o futuro da arquitectura portuguesa passa fundamentalmente pela exportação.

Tenho defendido que a arquitectura portuguesa tem tanto de brilhante como de paroquial, tanto de rigorosa como de autista, tanto de mediática como de frágil. Fechada sobre si mesma, apesar da mediatização, revela-se incapaz de exportar “projecto” de forma recorrente e financeiramente sustentável. Num mundo global, o mercado não exige apenas talento e brilhantismo autoral. Exige principalmente concentração de recursos financeiros e humanos, mobilidade e capacidade de gestão, além de resiliência em todas estas componentes. Paradoxalmente, a arquitectura portuguesa preenche todos estes requisitos. Não isoladamente; mas em conjunto, em equipa.

Na idade média, os arquitectos e mestres construtores actuavam em guildas, partilhando intergeracionalmente a autoria das catedrais por diferentes famílias e corporações. Os anglo-saxónicos, naturalmente organizados para o negócio, colheram essa lição empresarial e replicaram-na com grande sucesso na exportação da arquitectura do capitalismo global; na maior parte dos casos formatada nas lógicas pós-modernas de franchising; sistemática e eficiente, mas frequentemente desprovida de carácter. Por sua vez, os norte-europeus e escandinavos, foram capazes de criar uma resposta alternativa, que, sendo igualmente corporativa e largamente focada na sustentabilidade, é criticamente interessante e capaz de desafiar a brutal hegemonia anglo-saxónica. Estou a pensar em excelentes ateliers de média e grande dimensão como 3XN (Suécia), Snøhetta (Noruega) e Henning Larsen (Dinamarca), os dois últimos respectivamente recipientes do prémio Mies van der Rohe, e do Praemium Imperiale do Japão, em 2012. Não fica assim provado, como implicitamente sugere o modelo inglês e norte-americano, que “grande é mau” e “corporativo é pobre”. Porém, em Portugal, o atávico individualismo da profissão parece ainda fazer do tema da escala um anátema. Assim, e com toda ingenuidade que me assiste, quero aqui traçar uma proposta de criação de guildas. Reconhecendo que, entre arquitectos, o maior problema de associação e partilha, são as questões da linguagem e da cultura de projecto, imaginei um cenário em que se poderiam reunir “grupos de trabalho” com tradição, experiência e imaginários comuns. Um pouco como nas sociedades de advogados, numa primeira fase estas guildas poderiam apenas partilhar e fortalecer currículos pela acumulação e diversidade de obras, evoluindo daí, a partir de agrupamentos de empresas e joint-ventures, para formas empresariais mais estáveis como cooperativas, partnerships ou sociedades comerciais. Tentativamente, lanço uma sugestão de grupos “naturais” em torno de estimáveis figuras profissionais, partindo do princípio que em conjunto têm a escala, a coesão estética, e agregadamente, a capacidade económica para resistir e reclamar financiamento à exportação:

Byrne e Aires Mateus: Alberto Oliveira, Barbas Lopes, Falcão de Campos, Filipe Mónica, José Barra, José Laranjeira, José Maria Assis, Marco Arraiolos, Miguel Marcelino, Paulo David, Pedro Pacheco, Telmo Cruz e Maximiana Almeida, etc. (100/120 arquitectos).

Carrilho da Graça: Atelier do Bugio, Atelier Central, Flavio Barbini, Giulia de Appolonia, Inês Lobo, Inês Cortesão, Pedro Domingues, Pedro Matos Gameiro, Ricardo Carvalho e Joana Vilhena, Rui Mendes, SAMI, Tiago Monte Pegado, Ventura Trindade, etc. (100/120 arquitectos).

Manuel Graça Dias e legado Manuel Vicente e Vítor Figueiredo: ARX Portugal, Ateliermob, Bak Gordon, Baixa Atelier, CVDB, Fernando Martins, FSS+MGN, João Santa-Rita, Jorge Figueira, José Adrião, José Neves, Orgânica, Pedro Campos Costa, Pedro Machado Santos, Pedro Mauricio Borges, Risco, etc. (80/100 arquitectos).

Siza e Souto Moura: Adalberto Dias, Ainda Arquitectura, aNC, Bernardo Rodrigues, Camilo Cortesão, Camilo Rebelo, Cannatà Fernandes, Correia/Ragazzi, Carlos Prata, Carlos Guimarães, Carvalho Araújo, Castanheira & Bastai, Clemente Menéres, Guedes+deCampos, Guilherme Machado Vaz, João Mendes Ribeiro, José Fernando Gonçalves, José Gigante, João Álvaro Rocha, José Paulo dos Santos, Nuno Brandão Costa, Nuno Montenegro, Nuno Valentim, Paula Santos, Paulo Providência, Pedro Reis, Serôdio & Furtado, Virgílio Moutinho, etc. (200/250 arquitectos).

Acrescentaria ainda a estas guildas parcerias estratégicas com paisagistas como a PROAP, Global ou Vítor Beiramar Dinis, entre outros, e designers gráficos, imprescindíveis hoje para a arquitectura, como Mário Feliciano, Pedro Falcão, P-06 e R2, ou fotógrafos como Fernando Guerra, João Simões ou João Morgado, cujos websites se tornaram hoje potentes motores de busca e divulgação. Além disso, seriam necessários scouters e divulgadores com a capacidade de apresentar de forma consistente estes agrupamentos. Estou a pensar em pessoas como Ana Vaz Milheiro, Ana Tostões, André Tavares, Carlos Sant’ana, Cláudia Saraiva, Joana Sá Lima, João Rodeia, José Mateus, Joaquim Moreno, Julia Albani, Luís Santiago Baptista, Luís Tavares Pereira, Nuno Grande, Paulo Serôdio Lopes, Pedro Baia, Pedro Bandeira, Pedro Gadanho, Ricardo Camacho, Rita Palma ou Tiago Mota Saraiva, com diferentes graus de disponibilidade e intervenção. Implicitamente, excluí desta reflexão o enquadramento dos jovens ateliers, naturalmente até mais internacionais, mas que importa referir: Arquitectos Anónimos, Atelier de Santa Catarina, Aurora, Blaanc, Embaixada, Extrastudio, Fala, Jedenov, Like, Moov, NPS, Paratelier, entre muitos outros. Admito que a fluidez e elasticidade destas estruturas tenha outro tipo de geometria disciplinar, mas na essência seria possível construir uma fortíssima relação com as referidas guildas.

Obviamente, nada disto resolve o problema de emprego de 30% ou 40% dos 20.000 licenciados em Portugal. Mas se conseguirmos em Portugal ter 1000 ou 1500 arquitectos a exportar de uma forma sistemática e consistente, permite não só estancar o êxodo como criar agrupamentos de excelência. Estas guildas teriam a capacidade de prosperar no mercado internacional e abrir um imenso espectro de oportunidades para a arquitectura portuguesa. O trabalho, esse, existe e não é uma ficção; cidades inteiras na Arábia Saudita e no Kuwait, programas de reconstrução com a UNESCO no Iraque e na Líbia, de habitação social na Argélia, museus e universidades no Qatar, hotéis em Marrocos e nos Emirados, centros de escritórios na Geórgia, Azerbaijão e Curdistão, para não falar em mercados mais distantes e de mais difícil gestão, como a China, o Vietnam ou a Mongólia. O momento é crítico, mas também de uma imensa esperança. Exige generosidade, engenho e entreajuda, capitalizando no imenso mar de recursos que criámos e que não pode agora ser reduzido a uma expatriação hiperqualificada. Diria que, na arquitectura, Portugal precisa de aprender com a pêra-rocha e com os Douro Boys... Nada que nos envergonhe.

Sócio fundador do Promontorio

pmb@promontorio.net

 

 
 
 
 
 
 

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