É quase isso: o futebol é lindo

O futebol é uma das melhores invenções de sempre. Aqui fica a minha sentida homenagem a este desporto que alguns dizem ser um "jogo de senhores jogado por bandidos"

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Antes que me insultem ou me façam uma espera à porta do centro de treinos (formas principais de mostrar descontentamento) faço uma declaração de interesses: adoro futebol.

Não tenho muito jeito para jogar (o Hugo Almeida também não) e o meu joelho esquerdo não me deixa (é de craque ter uma lesão no joelho!). Percebo de tácticas (não sou um Jorge Jesus…) e pouco de arbitragem (o que me coloca em boa posição para arbitrar, em Portugal).

Tenho saudades de quando, em vez do joelho, era a minha mãe a não me deixar jogar, porque estava a chover. Eu bem lhe dizia que os jogadores também jogavam à chuva. Ela dizia que, por essa lógica, eu também deveria querer deitar-me cedo, como os jogadores. Entretanto, cresci e percebi que a piada de ser jogador da bola é o que se eles fazem quando não se deitam cedo.

Recordo uma citação que diz que o râguebi é um jogo de bandidos, jogado por senhores, enquanto o futebol é um jogo de senhores, jogado por bandidos. Olhando para o mundo vil e perigoso do futebol, sou tentado a concordar.

O futebol é como um gigantesco filme do Chuck Norris: anda-se à chapada porque se ganhou, porque se perdeu, porque se empatou, porque se foi campeão, porque está a chover ou, simplesmente, porque apetece.

Pode haver fome no mundo, sanguinários regimes ditatoriais e a “Casa dos Segredos”, mas esses dados são irrelevantes, quando comparados com a maior questão de toda a humanidade: como pode alguém ser de um clube que não o nosso?

Os jogadores são os heróis. E são injustiçados. Isto porque marcam golos impossíveis, fazem passes inacreditáveis, driblam cinco adversários numa cabine telefónica, fazem intercepções cirúrgicas ou defesas que desafiam a lei da gravidade, mas, no fim, toda a gente se preocupa com o que menos importa.

Eu quero lá saber se o ponta-de-lança do meu clube sabe o que é um adjectivo, se usa “t-shirts” com decote, se tem dentes de ouro ou se sabe em que continente fica o Laos (toda a gente sabe que fica na estrada que vai para a Birmânia, ao lado do Burkina Faso e logo antes da República Dominicana). Eu quero é que ele salte mais alto do que os defesas e "fuzile" os guarda-redes. Não me interessa se os defesas-centrais da minha equipa tomam banho todos os dias ou se têm mau hálito. Eu quero é que os avançados adversários tenham medo de estar a menos de dez metros deles. 

Exijam aos jogadores que joguem bem à bola. E que cumpram os deveres de bom cidadão: respeitar a lei, ajudar os outros, esmagar os adversários em campo.

O futebol tem muita "finesse". Não, não estou a falar dos golaços do Cristiano Ronaldo, dos dribles do Messi ou dos passes teleguiados do Pirlo. Estou a falar da prosápia dos dirigentes.

Os dirigentes tentam combinar a liderança de Nelson Mandela com a ironia de Eça de Queirós. Feitas as contas, o que eles revelam é a mistura do bom senso de um bêbado com a delicadeza de um tasqueiro. O dirigente desportivo é um espécime sobre o qual a Biologia ainda não se debruçou, sobretudo porque, se o fizesse, teria que rever o conceito de “homo sapiens sapiens”. É mais fácil e mais barato fingir que eles são como nós.

Os treinadores, por seu lado, são as vítimas. O que quer que aconteça, a culpa é deles. Montam sistemas tácticos que recorrem à ciência e às artes do oculto. Sabem de psicologia, biomecânica, fisiologia, encantamentos e feitiços vários. No fim, a bola vai ao poste e vai tudo pelo ar. Recebem votos de confiança poucos dias antes do despedimento. Têm a culpa toda, mesmo quando não a têm.

O futebol é imprevisível. Se a política fosse tão imprevisível como o futebol, o PCP chegava ao Governo. Mas se isso acontecesse, o PCP trataria logo de acabar com a imprevisibilidade, transformando as eleições em “jogos à porta fechada”.

Se a física fosse tão imprevisível como o futebol, as pessoas podiam cair para cima. Bom, não abusemos, talvez o Fernando Mendes e o Manuel Serrão não o conseguissem.

Se a economia fosse tão imprevisível como o futebol, o FMI acertaria nos programas de ajustamento.

O futebol é lindo. Tudo porque, apesar da quantidade de imbecis que neles se movimentam, há sempre um novo jogo que nos faz apaixonar por este desporto. O futebol é como gostar muito de alguém: no fim, sobressai o sentimento. Infelizmente, no futebol, não há sexo de reconciliação.

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