Maioria votará contra resoluções que pedem suspensão do leilão das obras de Miró

A suspensão do leilão da colecção de Miró do BPN, marcado para os dias 4 e 5 de Fevereiro, não está em cima da mesa.

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Uma das obras a ser leiloadas: Femmes et oiseaux (Mulheres e pássaros) (1968) Christie's Images

Se dúvidas pudessem existir, o PSD e o CDS esclareceram esta terça-feira à tarde na Comissão de Educação, Ciência e Cultura que não está em cima da mesa a possibilidade de o leilão desta importante colecção de pinturas, desenhos, colagens e guaches do surrealista Joan Miró poder vir a ser suspenso. Numa discussão acesa e entre algumas trocas de acusações, a deputada do PSD, Isilda Aguincha, e a deputada do CDS, Inês Teotónio Pereira, defenderam de igual forma que o dinheiro que se conseguir com o leilão ajudará a tapar o “buraco” do BPN, sem que este seja um encargo para os contribuintes. Não existindo assim um motivo para que a venda das obras não aconteça.

“Estas obras não são do Estado, vieram parar às mãos do Estado”, disse na comissão Isilda Aguincha, explicando que esta colecção do artista catalão, que será leiloada pela Christie’s em Londres nos dias 4 e 5 de Fevereiro, “não foi adquirida por opção”, pelo que a sua venda, que estima a leiloeira se possa fazer por 35 milhões de euros na sua totalidade, permitirá abater a dívida do BPN. E, segundo Inês Teotónio Pereira, “quanto mais se conseguir atenuar o buraco, melhor”. “Não estamos a falar de uma quantia pequena, é grande e faz toda a diferença”, defendeu ainda a deputada do CDS, lembrando que a intenção da venda em leilão destas obras há muito que foi anunciada. Ou seja, foi em Julho de 2012 na comissão de inquérito ao BPN que a então secretária de Estado do Tesouro e actual ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, revelou que seriam contactadas as leiloeiras internacionais para que se avançasse com o processo de alienação desta colecção, que percorre as várias fases artísticas de Joan Miró.

Os argumentos, no entanto, não foram aceites pela oposição e conseguiram gerar ainda mais contestação. Para a deputada do PS, Inês de Medeiros, o que está acontecer envergonha o país por se estar a tratar “com todo desprezo” uma “preciosidade”. “Estamos a falar de um dos pais da modernidade, um nome maior da pintura”, destacou Medeiros, para quem esta “é a única coisa boa que o processo do BPN nos deixou”. “É uma atitude incompreensível que este leilão vá acontecer sem que tenham sido feitos os estudos devidos”, acrescentou ainda a deputada socialista, condenando o facto de “todo o processo ter sido feito ao nível das Finanças sem que tenham sido contactos especialistas” da área.

Inês de Medeiros falou ainda na inexistência de qualquer “avaliação [da colecção] que se possa consultar”, assim como se questionou sobre os diferentes valores que têm surgido na imprensa e no relatório de contas da Parvalorem (sociedade criada no âmbito do Ministério das Finanças para recuperar créditos do BPN e por isso proprietária legal das obras) sobre quanto vale afinal esta colecção. A deputada, assim como o deputado Miguel Tiago, do PCP, disseram não perceber o critério para que esta colecção em 2007 valesse mais do que agora. Segundo os registos da Parvalorem, em 2007 a Christie’s avaliou a colecção em 81,2 milhões de euros e com o leilão de Fevereiro estima conseguir “apenas” 35 milhões de euros. “Isto é mau em todos os aspectos”, defendeu Miguel Tiago.

Questionado pelo PÚBLICO sobre a diferença de valores entre 2007 e agora, Olivier Camu, responsável pelo departamento de arte moderna e impressionista da Christie’s e por esta venda, respondeu que, apesar de “não poder comentar detalhes específicos da avaliação da Christie’s em 2007”, o que foi feito na altura “foi uma avaliação para fins de seguro”. “Avaliações para seguros consideram, entre outras coisas, os custos potenciais de substituição e por isso são geralmente mais elevadas que as estimativas para leilões”, esclareceu o especialista da leiloeira, garantindo que “as estimativas actuais do mercado aplicadas agora a estes trabalhos nesta colecção são cuidadosamente consideradas, justas e precisas – e mais altas do que teriam sido em 2007”. É por isso que, segundo Isilda Aguincha, o leilão é a forma “mais transparente” para se vender as obras. Opinião que já Francisco Nogueira Leite, presidente da Parvalorem, tinha partilhado com o PÚBLICO.

Miguel Tiago, no entanto, não excluiu a possibilidade de até se poderem vender algumas obras no futuro mas para isso, disse, é preciso que se avalie e estude o valor artístico das mesmas e as mais-valias que estas poderiam trazer para o país. “Isto não pode ser vendido assim”, defendeu o deputado comunista, perguntando à deputada Inês Teotónio Pereira se os contribuintes teriam “um desconto nos impostos depois desta venda”. “Não está salvaguardada a transparência nem o interesse público”, conclui Miguel Tiago, enquanto Inês de Medeiros pediu para que “não sejam 'irrevogáveis' as palavras” dos deputados da oposição, esperando que até sexta-feira, dia em que são votados em plenário os projectos de resolução do PS e do PCP, que pedem a suspensão do leilão, para que PSD e CDS possam votar a favor. O PÚBLICO sabe, no entanto, que estes dois partidos vão votar contra.

No domingo, o secretário de Estado da Cultura, já tinha revelado ao PÚBLICO que a aquisição desta colecção não era "considerada uma prioridade" para o Estado.

“Numa altura destas não me parece que seja viável ou esteja em cima da mesa suspender o leilão”, disse ao PÚBLICO, já depois da comissão, Inês Teotónio Pereira, confiando “que esta é a melhor opção que o Governo encontrou para conseguir rentabilizar os activos que tem”. Para Isilda Aguincha, o leilão é a forma de “continuar a apoiar aquilo que são as necessidades dos cidadãos”. “O Governo herdou um conjunto de problemas e está a procurar resolvê-los a cada dia”, explicou a deputada democrata ao PÚBLICO também no fim da comissão.

Entretanto, a petição Manutenção em Portugal das obras de Miró (do património BPN), lançada há pouco mais de uma semana por Carlos Cabral Nunes, director da Perve Galeria e da Casa da Liberdade – Mário Cesariny, e que pede exactamente a anulação da venda, já foi assinada, até agora, por mais de 6200 pessoas. Para esta quarta-feira à tarde está agendado ainda um protesto, na Casa da Liberdade, em Alfama, Lisboa, que pretende reunir artistas, académicos e público na defesa por estas obras.

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