Fugas de informação em apenas 1,3% dos processos sujeitos a segredo de Justiça
Procurador Jorge Rato diz que violações do segredo de justiça foram residuais.
A auditoria detectou outros 17 casos em que houve a percepção de ter ocorrido fuga de informação, mas não foi determinada a abertura de um inquérito-crime. Mesmo que se contabilizem estes casos, a percentagem de violações subiria apenas para os 1,6%.
Os números, conclui o autor do relatório, o procurador João Rato, legitimam “a ilação de que a violação do segredo de Justiça ou a sua mera percepção foi residual face ao total dos inquéritos-crime a ele sujeitos, não se confirmando, pois, a proclamada sistemática violação do segredo”. Isto apesar de reconhecer que os dados podem pecar por defeito, já que, muitas vezes, as violações podem não ser detectadas e outras não chegam a ser investigadas.
O relatório destaca ainda que o segredo foi decretado em menos de 0,5% dos mais de 1,3 milhões de processos movimentados pelo Ministério Público naqueles dois anos. Mesmo assim, o procurador João Rato entende que “se pode aprofundar a diminuição do número de casos sujeitos a segredo de justiça”.
Recorde-se que desde a reforma penal de 2007, o segredo de Justiça passou a ser a excepção e não a regra nos processos-crime. A necessidade do segredo tem que ser fundamentada e pode ser determinada quer pelo juiz de instrução quer pelo Ministério Público, uma decisão que neste último caso tem que ser validada pelo primeiro num prazo de 72 horas. Habitualmente, a determinação do segredo tem o intuito de proteger o sucesso da investigação e dura até à conclusão do inquérito, que termina com o arquivamento ou a acusação.
O segredo vincula todas as pessoas que tenham contacto com o processo ou tiverem tido conhecimento de elementos que o integram. Quem o violar é punido com pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias, uma moldura penal que impede o uso de escutas telefónicas.
A auditoria conclui que dos 83 inquéritos criminais instaurados por violação do segredo apenas foi deduzida acusação em nove casos, tendo 49 sido arquivados e mantendo-se 25 inquéritos em investigação. Em 2011 e 2012 não houve nenhuma condenação pelo crime de violação de segredo de Justiça, já que o único caso que chegou a julgamento, terminou numa absolvição, confirmada pelo tribunal superior para onde o Ministério público interpôs recurso.
Das nove acusações, seis visaram jornalistas, duas agentes de justiça e uma outros profissionais. “Números que permitem também concluir que os jornalistas acusados não revelam as respectivas fontes e que a investigação não as logrou identificar”, lê-se nas conclusões.
A auditoria determina ainda que os “momentos críticos” dos processos sujeitos ao segredo de justiça e em que há fuga de informação são as buscas (15 casos), interrogatório judicial (nove), comunicados de imprensa (seis) e escutas (cinco). Contudo, “outros momentos” (40) não determinados estão na dianteira desta lista.
Os comunicados de imprensa das polícias são aliás alvo de crítica, defendendo o procurador João Rato que, por vezes, estes constituem fugas de informação que violam a lei. “Sempre que os órgãos de polícia criminal fazem um comunicado a divulgar o resultado de uma busca à revelia do Ministério Público incorrem nesse crime. Não é aceitável”, observou o coordenador da equipa que elaborou a auditoria.
O relatório explica que foram analisados fisicamente 1528 processos em que foi decretado o segredo para perceber de que tipo de inquéritos se tratava. Quanto à tipologia dos crimes que estiveram sujeitos ao segredo de justiça, o tráfico de estupefacientes (475 casos) lidera a tabela, seguido de abuso sexual de crianças (189) e violência doméstica (102). A corrupção (com 51 casos) aparece em sétimo lugar da lista. Em 99,7% dos casos o segredo foi determinado pelo Ministério Público, tendo as vítimas pedido a sujeição em três casos, o arguido num e o assistente noutro.