Jane Campion, a única mulher com uma Palma de Ouro, preside ao júri de Cannes em Maio
Realizadora neo-zelandesa é também a única com as Palmas de longa e curta-metragem num festival criticado pela parca presença de mulheres nas suas listas de premiados.
Na 67.ª edição do mais importante festival de cinema do mundo, Jane Campion sucede assim a Steven Spielberg, o presidente do júri que em 2013 premiou A Vida de Adèle, de Abdellatif Kechiche. Campion diz estar impaciente por chegar ao festival que conhece bem e no qual criou marcas. Além de ter sido a única mulher a vencer a Palma de Ouro, prémio cuja importância no cinema é só suplantada pelo Óscar (que com O Piano recebeu como argumentista e não como realizadora), Campion é também a única realizadora a ter também vencido o prémio máximo do júri de Cannes de longa e curta-metragem – em 1986, teve a sua primeira Palma com a curta An Exercise in Discipline - Peel. No ano passado, Campion esteve em Cannes a presidir o júri das curtas.
A realizadora neo-zelandesa, também autora de Sweetie (1989), Um Anjo à Minha Mesa (1990), Retrato de uma Senhora (1996), Fumo Sagrado (1999), In the Cut - Atracção Perigosa (2003) e Bright Star – Estrela Cintilante (sobre o poeta Keats e a sua musa, que levou à competição de Cannes em 2009), senta-se entre 14 e 25 de Maio na cadeira que antes tinha sido ocupada por outras mulheres: Isabelle Huppert, Jeanne Moreau (a única pessoa a ocupar o posto por duas vezes), Françoise Sagan, Isabelle Adjani, Sofia Loren, Ingrid Bergman ou Liv Ullmann. Mas continua a ser, em 67 anos de história do festival, a única mulher que ganhou a Palma.
O Le Monde lembra que Cannes tem sido criticado ao longo dos anos pelo facto de acolher, nomear e distinguir parcos números de realizadoras no festival – em 2012, a realizadora britânica Andrea Arnold falou publicamente em Cannes sobre a ausência de mulheres candidatas à Palma nesse ano e o colectivo feminista francês La Barbe publicou uma carta aberta, subscrita por cineastas como Virginie Despentes e Fanny Cottençon, em que se lia que “os homens adoram que as mulheres tenham profundidade, mas só no que toca ao seu decote”. No ano seguinte, apenas uma realizadora, Valeria Bruno Tedeschi, estava na corrida pela Palma.
A própria Jane Campion tinha já em 2009, quando o seu Bright Star estava em competição em Cannes, que “o sistema dos estúdios é uma espécie de sistema de velhos rapazes e é difícil para eles acreditar que as mulheres são [seres] capazes” e, citada pelo Guardian, explicava ainda que “as mulheres não crescem com o ríspido mundo de críticas com que crescem os homens – somos tratadas com maior sensibilidade – e quando experienciamos o mundo do cinema pela primeira vez, temos de desenvolver uma pele muito grossa”. Thierry Frémaux não negou na rádio France Info que a escolha de Campion tem "um lado simbólico", mas justificou-a pelo mérito da realizadora, produtora e argumentista neo-zelandesa – "se conhecemos Jane Campion é pelo seu talento e pelo que fez".
A escolha do presidente do júri, tal como a dos restantes jurados, decorre de propostas anuais da própria direcção do evento.
Anos depois das críticas ao sistema que considera falocêntrico, Campion está simplesmente feliz pela possibilidade de presidir ao júri do festival, cuja organização a descreve como "uma cineasta maior e infatigável pioneira". "Desde a primeira vez que fui a Cannes com as minhas curtas-metragens em 1986, tive a oportunidade de ver o festival de muitos lados e a minha admiração por esta rainha dos festivais do cinema só aumentou. No Festival de Cinema de Cannes, conseguem combinar e celebrar o glamour da indústria, as estrelas, as festas, as praias, os negócios, tudo enquanto mantêm a seriedade do festival", defende Jane Campion num comunicado no site do festival.
O momento é de elogios e, por isso, o Festival de Cannes chamou ainda o seu presidente, o ensaísta e crítico francês Gilles Jacob, a falar sobre a estreia de Campion no evento - "uma jovem realizadora dos Antípodas que sem dúvida tinha orgulho em que o Festival de Cannes apresentasse nem que fosse só uma das três curtas que tinha acabado de terminar". Essa então jovem cineasta transformar-se-ia "num verdadeiro mestre", momento que o intelectual francês identifica com o facto de Cannes não ter escolhido uma das suas curtas, mas sim ter decidido passar as três. "Jane Campion tinha chegado e trouxe todo um novo estilo com ela."
No passado, nomes como os de Jean Cocteau, Georges Simenon, Fritz Lang,Tennessee Williams, Roberto Rossellini, Ettore Scola, Scorsese, Coppola, Robert De Niro, Quentin Tarantino, Nanni Moretti ou Tim Burton ocuparam o lugar que este ano pertencerá a Jane Campion.