Um imposto simbólico

Em França foi aprovado um imposto sobre os salários acima de um milhão de euros, a ser pago pelas empresas. É talvez a concretização mais mediática de propostas de impostos sobre os mais ricos que têm sido defendidas na Europa e na América do Norte com base em vários argumentos. Desde logo, porque se acha que as receitas adicionais desses impostos permitiriam atenuar as políticas de austeridade. Impostos sobre os mais ricos são também vistos como naturais quando se agrava a desigualdade na distribuição do rendimento, nalguns países para níveis próximos dos que se verificavam nos anos 20 do século passado, altura marcada por profundas desigualdades e convulsões sociais e políticas. Finalmente, também se diz que se os ricos ganharam com a crise então devem ser os primeiros a pagar para a resolver. 

O imposto francês pode ser discutido segundo cada um destes argumentos. O primeiro não parece ser muito relevante. O acréscimo de receita terá pouca expressão no quadro orçamental francês.

Por outro lado, não parece fácil defender este imposto com base numa ideia de equidade geral, pois penalizam-se os rendimentos do trabalho, de trabalhadores milionários sem dúvida, mas ainda assim trabalhadores por conta de outrem, sem que haja uma política equivalente para os rendimentos do capital. (Há alguma ironia, se admitirmos que muitos destes trabalhadores milionários têm rendimentos de capital.) Isto é, o novo imposto penaliza milionários, mas nem todos os milionários são penalizados. Em qualquer caso, se for reduzido o acréscimo de receita, os seus efeitos na distribuição do rendimento são também reduzidos.

Quanto ao último argumento, a avaliação é mais difícil. Será possível identificar grupos de rendimento elevado que contribuíram para a crise e ganharam com ela. Mas alguns dos que agora ganham com a recuperação, e que por isso podem ter rendimentos elevados, perderam na trajectória económica que conduziu à crise. Ficou por provar que os que ganharam com a crise foram os trabalhadores que em França ganham mais de um milhão de euros.

Tudo visto, o novo imposto parece ter efeitos práticos limitados. Isto não acontece por descuido. Receou-se que uma tributação mais agressiva dos rendimentos tivesse efeitos negativos na economia (e ficam por ver os efeitos do novo imposto na mobilidade dos trabalhadores em causa). É significativo, tanto mais porque se passa num dos grandes países europeus. O novo imposto acaba por ser duplamente simbólico: de uma intenção política nacional e da dificuldade de a concretizar na zona euro e numa economia globalizada.

Universidade Católica Portuguesa

 
 
 

Sugerir correcção
Comentar