Há 50 anos Isaac Asimov previu um mundo sombrio e aborrecido para 2014
O escritor de ficção científica falhou ao imaginar que hoje as cidades estavam no mar, os carros voavam ou haveria colónias na Lua. Mas também falou da miniaturização dos computadores, do uso de robôs e de telecomunicações com som e imagem.
Estávamos em 1964, o primeiro de dois anos em que a exposição mundial de Nova Iorque esteve aberta ao público, entre Abril e Outubro, com o tema “Paz através da compreensão”. Os visitantes podiam ver as maravilhas tecnológicas que ainda estavam escondidas do dia-a-dia das pessoas – como os computadores –, fruto de uma sociedade onde o espírito de vanguarda se manifestava ali, no seu auge. No final da década, os Estados Unidos iriam pôr o homem na Lua, mas o ar já era outro, após o assassinato de Martin Luther King, no auge do movimento hippie e em plena contestação interna à Guerra do Vietname.
Mas naquele ano, o autor de algumas das mais importantes obras de ficção científica do século XX visitou a exposição, viu as novidades tecnológicas de muitas empresas que estavam ali representadas, observou a evolução dos electrodomésticos nas décadas passadas, mas sentiu a falta do sabor do futuro – não havia nenhuma previsão de como estas máquinas iriam evoluir dali para a frente. Por isso, resolveu ele próprio fazer esse exercício. Num acto de futurologia, descreveu o mundo em 2014 e imaginou o que seria caminhar por uma exposição semelhante àquela, 50 anos depois, num artigo de cerca de 15 mil caracteres, publicado a 16 de Agosto de 1964 no jornal The New York Times.
“Um pensamento que me ocorre é que o homem vai continuar a afastar-se da natureza para criar um ambiente que melhor se adapte a ele”, escreve. Assim, para 2014, Isaac Asimov esperava a existência de janelas polarizadas para bloquear a luz exterior, casas suburbanas construídas debaixo de terra, como viu na exposição de 1964, com a temperatura controlada e livres das vicissitudes da meteorologia.
Os pequenos-almoços do futuro deixariam de ser um problema humano para passarem a ser feitos automaticamente pela cozinha. Bastava anunciar a hora do pequeno-almoço na véspera à noite. Os electrodomésticos manter-se-iam, portanto, na moda – como realmente estão –, mas sem cabo e ficha eléctrica e com “uma bateria de longa duração à base de radioisótopos”.
Para o homem que idealizou as três leis pelas quais os robôs se deverão reger, o mundo de 2014 ainda não seria governado por eles. As máquinas autónomas andariam aí, até poderiam fazer os trabalhos domésticos, mas não seriam muito sofisticadas. Os seus cérebros estariam contidos em “computadores miniaturizados”, feitos pela IBM.
Os aviões seriam muito importantes, mas mesmo os transportes terrestres iriam libertar-se do atrito das rodas. Carros iriam percorrer as cidades a poucas dezenas de centímetros acima do chão, graças a propulsão pelo ar. E haveria um esforço para desenvolver veículos computorizados que não precisam de ser guiados manualmente, algo que realmente a Google está a tentar desenvolver. As cidades estariam ainda revestidas com tapetes rolantes para facilitar os trajectos curtos.
No mundo de Isaac Asimov, a Internet não existe, mas é nas telecomunicações que o escritor mais acertou: “As comunicações vão ter som e imagem e vai ser possível ver e também ouvir as pessoas no telefone. Os visores não vão ser só utilizados para ver as pessoas a quem telefonamos, mas para estudar documentos e fotografias e ler passagens de livros. Satélites em órbitas sincrónicas [geoestacionárias] no espaço tornaram possível ligar a qualquer pessoa na Terra, incluindo em estações meteorológicas na Antárctica.”
Mas o escritor também falha ao referir “colónias na Lua”, o início da colonização das plataformas continentais no mar, ou que nos vamos alimentar de microorganismo e leveduras processadas que “estarão disponíveis numa grande variedade de sabores”. Isaac Asimov, que morreu em 1992 com 72 anos feitos em Janeiro, preocupava-se também com o futuro do crescimento populacional imparável, que, se não fosse travado, levaria o mundo, em 2450, a tornar-se numa “Manhattan concentrada”. Muito antes a sociedade já teria “colapsado”.
Nos seus cálculos, a população teria hoje 6500 milhões de pessoas, abaixo dos reais 7170 milhões, com desigualdades maiores. “Nem toda a população do mundo vai aproveitar os gadgets do futuro no seu pleno. Uma porção ainda maior da população de hoje não vai ter acesso a essa tecnologia e apesar de poder ter mais do que tem hoje a nível material, vai estar mais atrás quando comparada com a parte do mundo mais avançada”, escreveu.
Para Isaac Asimov, nessa sociedade das máquinas, a informática teria uma grande importância na formação das novas gerações. O trabalho seria então apenas o de comandar as máquinas, que substituem todas as actividades que antes eram feitas pela mão humana. Essa actividade, para o escritor, limitaria o espírito humano, com a “doença do aborrecimento”, em que só uma elite criativa estaria a salvo. “De facto, a mais sombria especulação que posso fazer sobre 2014 é que, numa sociedade de lazer forçado, a palavra do vocabulário mais gloriosa de todas será trabalho!”