Governo propõe alteração da Lei do Cinema para resolver não pagamento da taxa pelos operadores de TV

Barreto Xavier diz que "não há nenhum recuo do Governo". Taxa anual vê o seu valor reduzido, mas este é completado pela Anacom; progressividade de aumento do valor da taxa foi abandonada.

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José Sarmento Matos

O impasse de seis meses, que ameaçava tornar-se numa batalha jurídica que preocupava os agentes do sector e a tutela pelo risco de se prolongar de tal forma que descapitalizasse os apoios do Estado à produção, dura desde que a Zon, Meo/PT, Cabovisão, Vodafone e Optimus não pagam a taxa anual, inscrita na Lei do Cinema de 2012. A taxa anual obriga os operadores a contribuir com 3,5 euros pelo seu número médio de subscritores – essa verba, que em 2013 perfez um total de 10,7 milhões de euros, constitui receita do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA) e alimenta o bolo financeiro dos apoios públicos à produção cinematográfica portuguesa.

Agora, o Governo quer alterar a Lei do Cinema (Lei n.º 52/2012) para que a aplicação da taxa não seja progressiva (previa-se que o seu valor fosse aumentando anualmente até um máximo de cinco euros), explicando as tutelas que foi tido em conta “o contexto actual do desenvolvimento económico e social na Europa e em Portugal”. O secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, na conferência de imprensa que se seguiu ao Conselho de Ministros desta quinta-feira, frisou que a alteração visa assegurar que o cumprimento da lei "possa concretizar-se da melhor forma" e que o facto de a taxa "ser estabilizada nos 3,5 euros por subscritor vai permitir garantir o funcionamento para esta área, que muito necessitada está de estabilidade".

Barreto Xavier disse também na conferência de imprensa que "não há nenhum recuo do Governo" ao alterar a lei. "É este Governo que resolve" o problema de desgaste do modelo de financiamento público do cinema e audiovisual e que apresenta uma lei que permite esse mesmo financiamento. "São 10,7 milhões de euros/ano, adicionais aos montantes existentes hoje" (10,1 milhões de euros em 2013 e 2011), acrescentou, frisando a importância de "um futuro de estabilidade para os próximos anos".

A Associação de Produtores de Cinema e Audiovisual (APCA), que em Agosto denunciou o facto de os operadores não terem cumprido os prazos legais para pagamento da taxa anual, faz um "balanço extremamente positivo" da solução encontrada pelo Governo. "Saudamos o desbloqueamento da situação" por parte do Governo, disse ao PÚBLICO a presidente da APCA, Pandora Cunha Telles, satisfeita com a "entrada da Anacom como um dos parceiros de financiamento" do sector. "É necessário que as leis sejam feitas para se conseguir viabilizar sectores de actividade", considera, congratulando-se pelo facto de se ter evitado que esta lei "ficasse nos tribunais durante anos" e antevendo agora que "abram os concursos para 2014 e que os concursos de 2013 ainda não contratualizados, a maioria, possam avançar".

"Havia uma diferença de opinião entre o sector das comunicações" e as decisões do Governo quanto ao modelo de financiamento do sector do cinema, descreveu, por seu turno, o secretário de Estado das Infra-estruturas, Transportes e Comunicações, Sérgio Silva Monteiro, que explicou que um dos objectivos do trabalho das duas tutelas neste âmbito é "garantir o cumprimento da lei que está em vigor". Em resposta ao PÚBLICO Sérgio Monteiro voltou a sublinhar que a "falha no pagamento dos operadores será sanada" e que "havia a necessidade de não insistirmos nesta distância que separava os operadores", cujo papel de distribuidores e exibidores do cinema português frisou, "e os agentes do sector".

A outra alteração ao diploma de 2012 é que, segundo consta da proposta de lei que será encaminhada para o Parlamento nos próximos dias, as verbas para o ICA cheguem através de “uma parte do resultado líquido de cada exercício anual do ICP – Autoridade Nacional de Comunicações [Anacom], o qual tem origem nas receitas provenientes da utilização do domínio público cobradas no sector das comunicações”.

Na prática, isto significa que os operadores pagarão à mesma os 3,5 euros por subscritor, mas que esse valor chega, repartido, de diferentes fontes – 1,75 euros de taxa anual por cada subscritor, "progressiva até aos dois euros", lê-se na nota de imprensa enviada pela SEC às redacções, e o restante virá das taxas já pagas à Anacom pelos operadores. Esse valor vindo da Anacom resulta “do resultado líquido de cada exercício anual do IPC – Anacom, de um montante entre 100% e 75% do valor global devido pelos operadores de serviços de televisão por subscrição", lê-se na mesma nota de imprensa. Deste modo, a Anacom irá contribuir com 1,5 euros (75%) ou 1,75 euros (100%), conforme a fase de aplicação do diploma. A Anacom tem como principal receita a cobrança de taxas como a taxa de regulação ou de utilização do espectro (“utilização de frequências) aos operadores e esta semana foi publicada a portaria que aumenta as taxas que as empresas de telecomunicações pagam pela utilização do espectro radioeléctrico e que deve garantir uma receita de 50 milhões de euros em 2014.

Esta proposta de “solução” aplica-se só a partir de 2014, sendo expectável que os operadores paguem agora os 10,7 milhões de euros em dívida e que os concursos de apoio à produção abram em breve – a lei dita que estes não podem ser lançados, se não for paga a taxa anual. Na mesma nota, os dois secretários de Estado concluem que estas alterações asseguram “um apoio estável com vista ao desenvolvimento da arte cinematográfica e do sector audiovisual, aspecto que no actual contexto económico e social merece ser realçado”.

"Risco de grande atraso"

Os operadores, representados pela Associação dos Operadores de Telecomunicações (Apritel), invocaram nos últimos seis meses vários motivos para o não pagamento da taxa anual, entre os quais a sua alegada inconstitucionalidade, ilegalidade, desadequação ao tempo de crise ou a impossibilidade de escolha dos projectos a apoiar com o seu contributo. Em diferentes momentos do processo, a tutela, os agentes do sector e a oposição parlamentar contextualizaram esta nova taxa num modelo de financiamento do sector que vigora, com ligeiras alterações, desde 1971 – data em que a taxa de exibição sobre a publicidade, que ainda faz parte do modelo (e que integra também os sistemas francês, alemão ou belga, por exemplo), entrava em cena.

O processo entrou no final de Agosto então na chamada “fase graciosa” de resolução, com o ICA a proceder ao envio das certidões de dívida para as Finanças e a dívida entrou em liquidação oficiosa, execução fiscal e cobrança coerciva conforme as diferentes situações de incumprimento de cada um dos operadores. No início de Outubro, mês em que deveriam ter aberto os concursos do programa de apoio à produção de cinema para 2014, a APCA pedia ao Governo “uma solução política que permita ao sector sobreviver”, alertando ainda que uma batalha judicial sobre o tema, que previam que pudesse durar “três a quatro anos”, podia levar a “sucessivos anos zero do cinema português” – uma alusão ao nome pelo qual ficou conhecido 2012, o ano em que não abriram concursos para apoios à produção.

A 7 de Novembro, o secretário de Estado da Cultura, ouvido no Parlamento sobre a proposta de Orçamento do Estado, reconhecia também o “risco de grande atraso” no pagamento e no sector, se se enveredasse pela via judicial, manifestando-se “absolutamente determinado em fazer cumprir a Lei do Cinema”. Se nessa ida à Assembleia Barreto Xavier dizia ser “difícil de compreender a atitude destas empresas”, num encontro com a imprensa no final de Novembro aludia à busca de um consenso com “empresas que têm um papel na Cultura”.

Os concursos de apoio financeiro ao cinema para 2014 continuam por abrir e durante estes seis meses a oposição criticou duramente a tutela e sugeriu alterações do estatuto da taxa, por exemplo, e exigiu maior rigor na aplicação da lei. 
 
 
 
 
 Com Sofia Rodrigues
 
 
 
 
 
 

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