Agricultura sustentável vendida em cabazes, do produtor ao consumidor
Os cabazes do PROVE – Promover e Vender já chegam a três mil consumidores, garantem um rendimento mensal a mais de uma centena de pequenos produtores agrícolas e movimentam 900 mil euros por ano.
Cenouras, cebolas, batatas, nabos, salsa e coentros, mas também laranjas e pêras. Cerca de sete quilos de produtos hortícolas pelo preço fixo de dez euros. Directamente do produtor ao consumidor. Em Lisboa, as cunhadas vendem uma média de 100 cabazes por semana e, em Almada, outros 100. Quem as “picou” para se meterem no negócio foi o irmão de Judite, marido de Justina. Para Judite (43 anos), que trabalhava na área social e ficou desempregada, esta é a única fonte de rendimento. Para Justina (43 anos), uma polaca que está em Portugal há 17 anos e conheceu o marido em Praga quando ambos eram estudantes, este é um complemento ao orçamento familiar.
Judite “cresceu no meio, já tinha tido contacto” com a terra, mas nunca pensou fazer dela profissão. Justina, que estudou Relações Internacionais e fazia traduções de polaco, checo e russo, também viu no PROVE uma oportunidade. Os pais “acharam bem porque as terras estavam meio abandonadas”. As duas cunhadas arregaçaram as mangas e, ao fim de ano e meio, têm uma carteira de encomendas estável. O que trazem é o que a natureza dita. “É tudo da época, mas tentamos não repetir de semana para semana”. Essa é uma das premissas do PROVE: oferecer quantidade e diversidade aos clientes.
O sistema de encomendas permite aos consumidores excluírem produtos que não querem receber, mas as sócias dizem que vendem de tudo. “Há uns que causam mais estranheza, como o aipo, mas algumas pessoas até nos dizem que passaram a comer coisas que antes não conheciam”. Apesar da variedade, já sabem que há dois produtos que são sempre recebidos com entusiasmo: “As uvas e os morangos”. Mas agora não é época disso. “Se [a fruta] está muito feia ou tem bicho, não trazemos, mas não nos preocupamos com tamanhos, é o que a árvore dá”, diz Judite.
A regra é seguir o requisito PROVE: produzir com técnicas amigas do ambiente, como o uso reduzido ou nulo de agro-químicos, a inexistência de fontes de poluição nas proximidades das explorações e a reconhecida qualidade da água da rega. “Vamos sempre às explorações, por isso a qualidade do ponto de vista da saúde é garantida”, afirma José Diogo, técnico da ADREPES – Associação para o Desenvolvimento Rural da Península de Setúbal, a “mãe” do PROVE.
Esta associação constatou que no seu território existia “um conjunto de pequenos produtores que toda a vida tinham trabalhado na agricultura, mas não conseguiam escoar a sua produção”, porque não tinham dimensão para vender para as grandes superfícies ou não tinham conhecimentos na área da comercialização. A ADREPES verificou ainda que existia naquele perímetro um conjunto de cidades de média dimensão com consumidores receptivos aos produtos locais.
“Feito o diagnóstico, começámos a trabalhar com os produtores, que sozinhos não tinham a diversidade e a quantidade necessárias, mas que, em associação, já reuniam estas características”, conta José Diogo. Em 2006, em Sesimbra e Palmela, nasciam os dois primeiros núcleos PROVE. Como premissa básica, cada agricultor especializava-se em determinados produtos e depois juntavam-se as produções. Para não competirem entre si. “Os produtores ficam com maior controlo do processo, mas também com um rendimento justo porque não há intermediários”.
Além disso, ao terem de “assegurar o negócio de uma ponta à outra”, ficam com competências de comercialização e muitos, pessoas de alguma idade, adquiriram conhecimentos básicos nas tecnologias de informação pois a grande maioria das encomendas chega-lhes por e-mail.
Depois do sucesso na Península de Setúbal (que passou a incluir distribuição na área da Grande Lisboa), o PROVE foi alargado aos produtores do Vale do Sousa, aproveitando o tecido urbano do Grande Porto, e ao Alentejo, à área de Montemor-o-Novo. “Queríamos o oposto, testar o projecto numa zona do interior do país, com problemas de desertificação”. O resultado surpreendeu pela positiva. Estávamos em 2009. Hoje o PROVE tem 54 núcleos, do Minho a Faro, abrange 83 locais de entrega, 120 explorações agrícolas, 3000 consumidores e movimenta cerca de 900 mil euros por ano. O lucro fica todo com os produtores, que se vêem libertos de custos de armazenagem e não têm grandes custos de transporte, pois os circuitos de comercialização são curtos. O modelo é sempre o mesmo: a ADREPES gere o programa a nível nacional, mas localmente são as associações de desenvolvimento parceiras da ADREPES que usam a metodologia PROVE e seleccionam os produtores, garantindo-lhes todas as ferramentas necessárias à criação do negócio. Como o objectivo é que este seja sustentável, “depois de uma primeira fase de apoio, os técnicos deixam de intervir e passam a ser os produtores a fazer a gestão completa”, tornando-se autónomos. É o caso de Justina e Judite.
Compensa comprar cabazes PROVE? “Calculamos que o quilo de hortícolas ronde 1,3 euros, por isso, se olharmos para os produtos das grandes superfícies, mesmo assim são competitivos”, diz José Diogo. O técnico da ADREPS nota que, apesar de ser natural que as pessoas façam contas, “não deveriam olhar só para o preço”. “Ajudar a economia local, dar emprego a agricultores locais, promover a sustentabilidade ambiental… Quando compram PROVE estão a comprar tudo isto”.
Abolir obstáculos ao comércio de proximidade
O PROVE foi financiado inicialmente pela iniciativa comunitária Equal e, até ao fim deste ano, pelo PRODER. Embora a maioria dos produtores da rede PROVE já seja autónoma, “para continuar a expandir o PROVE” é necessário novo financiamento. José Diogo, técnico da ADREPES, mostra-se optimista pois o novo quadro comunitário de apoio (QREN) coloca “um enfoque particular nos circuitos curtos agro-alimentares [CCA]”. Este são a base do PROVE e da sua filosofia de comercialização de proximidade.
A ADREPES, que conta com o apoio da Minha Terra – Federação Portuguesa de Associações de Desenvolvimento Local, pretende discutir com o Governo um conjunto de recomendações (desenvolvidas pela Universidade de Trás os Montes e Alto Douro e Instituto Superior de Agronomia) de medidas de política de apoio aos CCA. Já houve uma reunião com o gabinete de planeamento e política do Ministério da Agricultura e sinais que permitem esperar “que este tipo de comercialização seja facilitado no novo QREN”. A diminuição da carga fiscal e administrativa exigida aos produtores é uma questão para a qual a ADREPES quer sensibilizar a tutela, como a obrigatoriedade de passar factura. “Não se trata de fugir aos impostos, mas se alguns produtores já têm dificuldades com as tecnologias de informação para consultar as encomendas, quanto mais usar software de facturação; a alternativa seria fazê-lo à mão, factura a factura, o que levaria uma eternidade”, explica o técnico da ADREPES. Para evitar este obstáculo a associação juntou à plataforma logística um software de facturação, que envia a factura por email aos consumidores. Ainda assim, a associação questiona a obrigatoriedade dos produtores passarem factura, quando “estão isentos de IVA, por terem volumes de negócio anual inferiores a 10 mil euros”. Realizar investimentos conjuntos é outra dor de cabeça. “Imagine que três agricultores querem comprar uma carrinha para fazer o transporte dos cabazes; só o poderão fazer se se associarem, com os custos daí inerentes, ou então um deles tem de assumir o investimento”, exemplifica o técnico, que defende uma flexibilização das regras para estas associações informais.
Patrocínio: BIS-Banco de Inovação Social Os artigos sobre inovação social foram feiros segundo os critérios editoriais do PÚBLICO. O seu conteúdo é da inteira responsabilidade do jornal.