Radiografia aos incêndios mortais
Peritos analisaram o que se passou em cada incêndio.
Data: 1 de Agosto
Morreram dois bombeiros de Miranda de 45 e 25 anos
Suspeita-se que o incêndio começou numa seara quando se utilizavam máquinas para a cortar. António Ferreira e Daniel Falcão, ambos voluntários dos bombeiros de Miranda do Douro, seguiam numa viatura de combate chefiada pelo primeiro. A equipa recebera ordens para se reunir com outras no ataque a um flanco do incêndio. “Por iniciativa própria e sem informar o comandante das operações, a viatura acabou por se afastar do local designado, tendo entrado no vale, com o propósito de alcançar o flanco em condições mais favoráveis”, descreve-se. Ao avistarem um foco secundário, numa parcela junto à estrada, decidiram atacá-lo. Deixaram o veículo na via e dirigiram-se para o fogo. Mas uns minutos depois o vento fez aumentar a intensidade do incêndio e obrigou à retirada. As chamas impediram António de chegar à viatura e obrigaram-no a fugir pela estrada percorrendo cerca de 30 metros com fogo dos dois lados. A roupa de protecção começou a arder e sofreu queimaduras graves. Daniel, que estava com a agulheta, também foi apanhado pela radiação, o calor e o fumo. Salvaram-se os três elementos da equipa que se resguardaram na viatura e fugiram quando esta começou a arder.
Local: Peso, Covilhã
Data: 15 de Agosto
Morreu bombeiro dos voluntários da Covilhã de 40 anos
A viatura dos voluntários da Covilhã recebeu ordens para se dirigir à periferia norte da povoação de Peso, onde já estavam outros meios, a fim de retardar o avanço do fogo e proteger as casas. A viatura preparava-se para ir reabastecer, quando devido a algumas projecções o fogo aumentou a intensidade e ameaçou cercar o grupo de nove viaturas e 40 elementos. Foi dada ordem de retirada a todos para uma zona de segurança a 350 metros de distância. A tripulação da Covilhã teve um ligeiro atraso na recolha do material e também por falta de pressão no sistema pneumático, devido a uma avaria detectada mais tarde. Pedro Rodrigues atrasou-se a entrar na viatura e “muito possivelmente terá ficado impedido de entrar nela pela poeira levantada pelas viaturas em movimento ou pelo fumo”. Pedro não conseguiu entrar em nenhuma das viaturas e percorreu 150 metros de uma estrada com seis metros de largura ladeada por vegetação que estava a arder. “Durante este trajecto terá sido submetido a forte radiação, provinda de pinheiros que arderam pelas copas e a fumo denso", lê-se no relatório, que acrescenta: "Tinha problemas de visão que poderão ter contribuído para a sua falta de percepção da localização das viaturas na altura da retirada."
Local: Queirã, Vouzela
Data: 23 de Agosto
Morreu presidente da junta da Queirã de 62 anos
Ao início da tarde uma equipa de sapadores foi destacada para o fogo. Os três elementos estacionaram a viatura numa estrada florestal com três metros de largura, a meio da encosta, abaixo da qual se desenvolvia o fogo. Um dos sapadores desceu com a agulheta e iniciou ataque directo, cerca de 20 metros abaixo da estrada. Joaquim Mendes, presidente da junta da Queirã, preparava a viatura de apoio ao ataque inicial (um jipe todo o terreno com um atrelado) com ajuda dos outros sapadores. De seguida, o autarca dirigiu-se por outra estrada até ao local onde estava parada a viatura dos sapadores e estacionou em frente a ela. O fogo entrara numa área de maior vegetação e com a forma de um desfiladeiro. Os sapadores aperceberam-se do perigo e decidiram retirar. Como não conseguiam tirar a viatura (falta de espaço e perigo na manobra de marcha atrás) dois fugiram a pé. Permaneceu apenas um sapador e Joaquim que tentavam salvar as viaturas. Os dois desatrelaram o reboque para tentar retirar o jipe mais facilmente. Ao tentarem cruzar as viaturas, o jipe da junta ficou preso numa árvore. Ao aperceber-se da proximidade das chamas, o sapador disse a Joaquim para fugir. Mas este não se apercebeu que a viatura estava mesmo na berma, ao lado de um barranco com um desnível de mais de um metro. Ao sair caiu nele e foi atingido pelas chamas. O sapador ainda conseguiu fugir.
Local: Olival Novo, Caramulo
Data: 22 de Agosto
Morreram dois voluntários (Alcabideche e Estoril) de 23 anos
Ana Pereira, voluntária de Alcabideche, e Bernardo Figueiredo dos bombeiros do Estoril, integravam um grupo de reforço destacado para o incêndio de Alcofra, no Caramulo. O grupo recebera indicações do posto de comando para se dirigir para o vale de Olival Novo, com ordem de evitar a propagação do fogo para leste. Depois de fazer um reconhecimento ao incêndio foi decidido combater o fogo ao longo da encosta. Depois de terem conseguido descer 100 metros da encosta, a frente de chamas começou a ganhar mais intensidade. “Em pouco tempo o fogo que tinha estado a incubar na vegetação arbustiva e herbácea junto da linha de água e se tinha deslocado para o lado esquerdo do grupo de combate, começou uma erupção que foi reforçada por um desfiladeiro a menos de 50 metros”, lê-se no relato. Foi dado o alarme e os bombeiros retiraram para a estrada ou para o queimado. Neste processo vários ficaram feridos, porque com a erupção a área queimada em que estavam reacendeu, ficando em brasa, obrigando-os a permanecer ou caminhar sobre uma área muito quente. As botas não resistiram e alguns tiveram que se apoiar com os joelhos e as mãos no terreno. Bernardo foi um deles, tendo caído inanimado a meio da encosta. Ana Rita carregava uma espécie de mochila com mangueiras que pesava 12 quilos. Quando o fogo reacendeu Ana e os colegas foram apanhados por muito calor e fumo. Os colegas perderam o equilíbrio e rolaram pela encosta 20 ou 30 metros. A ela aconteceu-lhe o mesmo, mas um ou dois minutos depois, tendo estado mais tempo sujeita ao calor e às chamas. O socorro demorou mais de uma hora a chegar.
Local: S. Marcos, Santiago de Besteiros
Data: 29 de Agosto
Morreram dois bombeiros do Carregal do Sal com 21 e 18 anos
O acidente na Serra de S. Marcos ocorreu a 500 metros do de Olival Novo, no Caramulo, numa encosta semelhante. No dia 29 de manhã verificou-se um reacendimento na periferia do incêndio, numa parte que tinha sido extinta três dias antes. Duas equipas do Grupo de Intervenção de Protecção e Socorro (GIPS) da GNR estavam a combater o fogo na encosta abaixo da estrada, num dos lados do desfiladeiro, com o apoio de um helicóptero. E a equipa dos bombeiros de Carregal do Sal mantinha-se na estrada. Pouco depois, todos se aperceberam do perigo e decidiram retirar. “Inexplicavelmente alguns elementos da equipa de Carregal do Sal não se apercebendo do perigo nem das ordens insistentes de retirada, permaneceram onde estavam, com a intenção de enfrentar o fogo”, descreve o relatório. Um bombeiro de Canas de Senhorim e um militar dos GIPS decidiram “com risco de vida” avisar os colegas de Carregal do Sal que estavam em perigo. Quando o militar chegou ao pé dos bombeiros estes estavam rodeados pela chama. Este ainda teve tempo de se refugiar num aqueduto, mas mesmo assim sofreu queimaduras e inalou muito fumo. O condutor de Carregal do Sal entrou na viatura e parou mais à frente para recolher Cátia Ribeiro e Bernardo Cardoso. “Quando quis voltar a andar o motor parou e a viatura descaiu, descendo em recuo, até embater com muita violência na barreira de rocha que ladeava a estrada”, conta-se. Os três bombeiros ainda abandonaram a viatura, mas Bernardo e Cátia já tinham sofrido queimaduras graves enquanto permaneceram no exterior da viatura. Ela morreu no local e ele no hospital uns dias mais tarde.
Local: Sanfins, Valença
Data: 29 de Agosto
Morreu bombeiro dos voluntários de Valença com 50 anos
O acidente ocorreu “no ataque a um foco de incêndio relativamente pequeno numa encosta junto a uma estrada municipal” em Sanfins, Valença. Uma viatura dos bombeiros de Valença, conduzida por Fernando Reis, igualmente o chefe da equipa foi chamada para reforçar o combate. Pouco tempo após o início das operações o incêndio aumentou de intensidade, provavelmente devido a ventos gerados pelo próprio fogo ou à entrada das chamas numa zona de maior carga de combustível. Tendo sido dado ordem de retirada a equipa subiu para a estrada e abrigou-se por trás da viatura. “Ao ver que as chamas poderiam destruir o veículo, o condutor correu para a cabina”, relata-se. E continua-se: “Ao entrar, devido também ao facto de a janela do lado direito se encontrar aberta, os gases quentes entraram na cabina e, embora a porta tenha sido rapidamente fechada, deram início ao processo de combustão de diversos materiais do interior da cabina”. A viatura começou a descer pela estrada, mas com o desconforto dos fumos Fernando Reis saltou pela janela, tendo caído na estrada. Sofreu queimaduras no corpo e no aparelho respiratório e morreu uns dias mais tarde no hospital.