Desempregados pediram "dignidade" e não caridade à porta do Pingo Doce

"Normal era ter três refeições por dia", dizia o panfleto que os desempregados, empregados, estudantes e reformados entregavam às pessoas que iam passando pela Rua 1.º de Dezembro em Lisboa.

Foto

Todas diziam o mesmo. "A Jerónimo Martins do Pingo Doce é a 19 das 20 maiores empresas portuguesas que fogem aos impostos via Holanda, empobrecendo todos os portugueses que têm de pagar por elas"; "Porque até quando finge a caridade, o Pingo Doce e os outros distribuidores, continuam a lucrar nas campanhas de recolha de alimentos com as compras dos clientes"; "Porque a fortuna do segundo homem mais rico do país e dono do Pingo Doce, Soares dos Santos, matava a fome a 1.500.000 desempregados".

Foi um movimento anónimo que convocou os desempregados para a acção de protesto sob o mote “Dia 21 de Dezembro, exija o seu cabaz!”. O argumento, "se oferecem a um, oferecem a todos", referia-se ao que se passou com o “desempregado resistente” Nélson Arraiolos a 4 de Dezembro.

Alegando o Direito à resistência, Nélson — que em Setembro escrevera ao Presidente da República para lhe dizer que deixava de pagar impostos, por não ter dinheiro para o fazer informou que pretendia entrar no Pingo Doce e "levar um pacote de arroz sem pagar". Nesse dia, já era esperado pelo gerente que lhe entregou um cabaz de Natal. Logo aí nasceu a intenção de um novo protesto. “Pode ser que a próxima campanha seja a de um cabaz por desempregado”, dizia Rita Neves.

Às 16h o casal de desempregados, António e Maria, chegou à 1.º de Dezembro. Entraram na loja e pediram o cabaz. Foi-lhes recusado. Explicaram ao gerente da loja que receberam uma mensagem a informar que o Pingo Doce estava a fazer uma campanha solidária. “Viemos ao engano mas estamos dispostos a ver no que dá”, explicavam. “Vivemos com 180 euros por mês, pagamos a casa, a luz e a água. Disseram-nos que estavam a oferecer comida e nem hesitámos”, acrescentavam.

Às 17h já eram mais. “Nós vamos exigir o cabaz para desmascarar a hipocrisia de um grupo económico que explora os trabalhadores, não paga impostos em Portugal e arruína os pequenos e médios produtores”, clarificava Rita Neves. “A fortuna deste senhor dava para me alimentar a mim e a praticamente todos os desempregados do país."

Pouco tempo depois um grupo entrou na loja. Percorreram os corredores sempre seguidos pelos agentes da PSP fardados e à paisana. “Não viemos aqui roubar nem queremos violência, queremos dignidade”, explicava Carlos Vasques.

Entretanto as portas da loja foram trancadas pela PSP. Do lado de fora, 10 agentes impediam a entrada de quem o quisesse fazer. Lá dentro, cerca de 20 pessoas exigiram o livro de reclamações. A loja encerrou e o livro de reclamações foi passando de mão em mão.

De acordo com fonte oficial do Pingo Doce esta acção “não tem cara, visava provocar danos à empresa e divulgou informação falsa" sobre a empresa.

O PÚBLICO falou com a organização do protesto que, por razões de segurança, preferiu manter o anonimato. O perfil que lançou o evento via Facebook na sexta-feira 13 “foi denunciado e fechado sete vezes, o evento duas”. Estes “ataques”, denuncia a organização, “prolongaram-se noite e dia” durante dois dias e foram feitos através da “denúncia de materiais ofensivos” disponível a todos os utilizadores da rede social.

Ainda assim o evento não saiu da rede. A organização abriu um blogue onde passou a disponibilizar a informação até que “um estranho solidário ofereceu a resposta: recriou o evento”. A partir daí, a acção ganhou dimensões “nunca esperadas”. Multiplicaram-se as declarações de solidariedade e os apelos à participação.
 
 

Sugerir correcção
Comentar