Greve, protestos, boicotes e lágrimas no dia da prova para professores
O ministro da Educação não desmentiu os números avançados pelos sindicatos, que estimam que cerca de 6000 professores, perto de metade dos inscritos, não fizeram a prova de avaliação de conhecimentos e capacidades. Disse que os números "reais" estão a ser apurados e que espera que durante a prova destinada a quem não conseguiu fazê-la nesta quarta-feira não se voltem a verificar os acontecimentos que marcaram o dia.
A intervenção do ministro foi feita depois das 20h00, no noticiário da RTP 1. Nuno Crato não precisou a data da prova que se destinará aos docentes com menos de cinco anos de serviço que esta quarta-feira foram impedidos de realizar a componente comum de um teste que é obrigatório para todos os que se quiserem candidatar a dar aulas no próximo ano lectivo. Adiantou, apenas, que será em Janeiro, e sublinhou esperar que não se repitam acontecimentos como os de ontem. “Confusão no meio da sala de aula, professores a rasgar a prova” e outros, que disse ter visto em imagens da televisão e que na sua perspectiva “não são nada dignificantes para a imagem do professor”, exemplificou.
O ministro, que não foi questionado sobre o facto de várias vozes terem apelado à sua demissão, insistiu que o objectivo do Governo é ter nas salas de aula os melhores professores. “Há professores licenciados por universidades e há professores licenciados por escolas superiores de educação. E evidentemente que as escolas superiores de educação e as universidades têm características diferentes e têm critérios de exigência muito diferentes”, defendeu. Reiterou ainda que, graças a esta prova, estas intuições começarão a perceber “a exigência para quem entra na profissão docente” e que o exame se enquadra num conjunto de outras medidas que visam a “dignificação da carreira”.
Com aquelas declarações terminou um dia recheado de batalhas em várias frentes. A jurídica havia de se esvaziar às primeiras horas da manhã. Primeiro, o Ministério da Educação e Ciência (MEC) reiterou que não havia recebido a notificação do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que segundo a Federação Nacional de Professores (Fenprof) obrigaria à suspensão de todos os actos administrativos relacionados com a prova – e da própria prova.
Depois, anunciou que às 10h30 não só já tinha sido citado como já havia entregue a resolução fundamentada exigida por aquele tribunal, o que evitava que os actos administrativos fossem suspensos. O tribunal tinha dado um prazo de dez dias para o ministério responder aos argumentos apresentados pela Fenprof. Esta federação sindical disse, em conferência de Imprensa, que iria investigar esta contradição nas declarações do MEC.
O resto passou-se nas ruas, nas 188 escolas onde se concentraram os professores inscritos. E tudo começou muito cedo.
Um dia de protestos
A prova estava marcada para as 10h30, mas às 8h00 já representantes dos sindicatos e de movimentos de professores se juntavam em frente a várias escolas do país, com objectivos diferentes. Os sindicalistas, principalmente da Fenprof, para tentarem convencer os docentes do quadro a não aceitarem vigiar as provas dos colegas, aderindo à greve convocada para esse efeito. Os outros manifestantes, unidos por grupos criados no facebook, com a intenção declarada de evitar que a prova se realizasse.
8h00. À porta do Liceu Padre António Vieira, em Alvalade, Lisboa, começam por ser poucos os que entrelaçam os braços a tentar formar um cordão humano junto às portas. Em Coimbra, junto à secundária Infanta D. Maria, há indecisão quanto à medida a tomar. Devem impedir a entrada ou apenas dificultá-la? pergunta André Pestana, um dos porta-vozes do movimento Boicote&Cerco. A discussão (“democrática”, justifica) prolonga-se.
É com a aproximação das 9h00 e a chegada de professores que aparentam ser do quadro (e, como tal, potenciais vigilantes) que a tensão aumenta. Em frente à secundária D. Maria os manifestantes sentam-se no chão, formando uma barreira que obriga os professores do quadro a ziguezaguear para entrar na escola, perseguidos por gritos de “Vigiar é humilhar”. Ao mesmo tempo, naquele liceu de lisboa, o cordão humano engrossa: “Não vigiem colegas, ainda vão a tempo!”.
Num e noutro lado muitos dos que vão fazer a prova também vão entrando. Discretamente, no liceu da capital; lavados em lágrimas, em fila indiana e apoiados por polícias que lhes abrem caminho, na secundária de Coimbra. Aqui, quando se aproximam do átrio, para a chamada, há professoras que choram convulsivamente. “Devíamos ter ficado todos lá fora, isto é que é união?”, ralha Sónia Barbosa. Maria Ferreira também está em lágrimas: “Não acredito que passei por cima dos colegas que estão a manifestar-se por nós”.
Do lado de fora do portão da escola de Coimbra, as vozes calam-se e os manifestantes levantam-se. Alguns dão sinais de desalento, como Hugo Duarte, que também não tem vínculo nem cinco anos de serviço e sabe que, por não ter ido fazer a prova, não se poderá candidatar a dar aulas para o ano. “Ficar aqui, não entrar, foi talvez a decisão mais difícil da minha vida”,diz. Tem a voz embargada e cala-se.
Na secundária Infanta D. Maria a prova decorre, depois, com normalidade. Os manifestantes hão-de ficar duas horas à porta, a aplaudir as notícias de boicotes efectivos em muitos outros pontos do país. Uma delas chega precisamente do Liceu Padre António Vieira, onde a acção se mantém. Primeiro, é um grupo de doze manifestantes que invade o recinto, mas as portas vão-se fechando à sua frente e não chegam ao local da prova. Depois, são os próprios professores sem vínculo que surgem nas janelas do edifício a gritar “não à prova” e a fazer sinais de vitória.
A fazê-la só ficam “cinco ou seis”, conta quem sai. “Foi contagiante”, relata Bruno Taveira: “Uma colega andou de sala em sala e iniciou uma verdadeira manifestação”. Quando foi entregue a prova, os professores começaram a fazê-la em conjunto e a dar as respostas em voz alta: “Parecia que estávamos numa sala de professores… e estávamos!”, diz.
Sensivelmente à mesma hora, na secundária D. Manuel I, em Beja, 192 professores estão distribuídos por três salas de aula e pelo ginásio, onde são vigiados por apenas 11 dos 180 colegas convocados para essa função. De repente, alguns levantam-se das cadeiras e permanecem de pé. Os outros imitam-nos, as salas esvaziam-se e os professores que iam ser avaliados encontram-se nos corredores onde o barulho cresce, com as batidas dos pés no chão: “Vergonha, vergonha!”. Alguns queimam os enunciados, fazendo disparar o alarme contra incêndios.
Em todo o lado o Facebook serve para trocar notícias sobre os boicotes e sobre a adesão à greve por parte dos professores do quadro. E também para convocar novos protestos, como o que desaguou, cerca das 13h00, no edifício do MEC, na 5 de Outubro, em Lisboa. No início eram apenas cinco pessoas, às 13h45 já lá estavam 50 a exigir a demissão do ministro. Os reforços policiais evitaram a invasão.
Às redacções já tinham chegado entretanto duas convocatórias. Uma para uma curta declaração do secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário, João Grancho, que lamentou os incidentes que desencadearam “perturbações inaceitáveis”; louvou a prova, assegurou que ela tinha “decorrido normalmente” na maior parte das escolas e prometeu agendar outra, para aqueles que desta vez não a conseguiram fazer.
Logo a seguir, numa conferência de imprensa, Mário Nogueira, da Fenprof, calculou que a adesão rondou os 96% (95, corrigiu horas depois), que seis mil docentes não conseguiram realizar a prova e que muitos dos restantes a teriam feito em circunstâncias irregulares – uma "tremenda derrota" para a equipa ministerial que de deveria “pedir a demissão”, disse.
Tanto Nogueira como os representantes das estruturas sindicais que se mantiveram contra a prova (depois de os sindicatos afectos à UGT terem abdicado da contestação em troca da dispensa dos professores com cinco ou mais anos de serviço) prometeram esta quarta-feira não desistir da “luta”. Quando houver nova prova haverá nova greve, disseram.