Morreu a loira de Hitchcock que foi a mais jovem actriz a receber um Óscar
Protagonista de Rebecca e Suspeita, Joan Fontaine foi a única actriz que recebeu um Óscar num filme dirigido por Hitchcock. A rivalidade com a irmã, Olivia de Havilland, e Carta de uma Desconhecida marcaram também a sua carreira.
Joan Fontaine, cujo nome de baptismo era Joan de Beauvoir de Havilland, morreu no domingo durante o sono, disse à BBC Noel Beutel, amiga da actriz. A notícia foi também confirmada pela sua assistente pessoal, Susan Pfeiffer, à imprensa norte-americana.
Nascida em 1917 no Japão, os seus pais eram ingleses e quando Joan tinha 15 anos a sua mãe mudou-se com ela e com a irmã 15 meses mais velha, Olivia, para a Califórnia, nos Estados Unidos, com o objectivo de melhorarem a sua saúde e de seguirem uma carreira no mundo da representação. Os De Havilland divorciaram-se e o apelido que Joan adoptaria mais tarde para a sua carreira cinematográfica foi o do padrasto, George M. Fontaine. Joan Fontaine naturalizou-se americana em 1943.
Ambas as irmãs se tornaram célebres. E rivais. Joan começou a sua carreira nos anos 1930 e atingiu o sucesso uma década depois, com Rebecca, de 1940, que lhe valeu uma nomeação para os Óscares da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. O filme aconteceu-lhe quase por acaso. Como recorda o Los Angeles Times, uma noite deu por si sentada num jantar ao lado do poderoso produtor David O. Selznick, e comentou com ele que tinha acabado de ler o livro Rebecca, de Daphne du Maurier (Hitchcock voltaria à obra de Du Maurier com Os Pássaros). Selznick arregalou os olhos com a coincidência: "Comprei-o [o projecto de adaptação ao cinema] hoje. Pode fazer testes para participar nele?".
Concorreria com Vivien Leigh – a estrela do filme anterior de Selznick, E Tudo o Vento Levou –, Loretta Young ou Susan Hayward para ser a atormentada protagonista num longo processo de casting que a fragilizou, muito para deleite de Hitchcock, que fazia o seu primeiro filme americano e a manteve nervosa para extrair dela uma actuação vulnerável. O seu leading man, Laurence Olivier, mantinha-a à distância por uma notória discordância pela sua escolha para o papel, que preferiria que tivesse sido atribuído à sua então namorada, Leigh.
Foi o primeiro grande momento do seu percurso, cujo ponto alto em termos de reconhecimento aconteceria em 1942, quando foi galardoada com Óscar para Melhor Actriz pelo seu desempenho em Suspeita (1941), também de Alfred Hitchcock, em que interpretou Lina, uma mulher vulnerável ludibriada pelo noivo e que teme pela sua vida após o casamento - aos 24 anos, tornou-se na mais jovem vencedora do Óscar de Melhor Actriz até então. E venceu a irmã, Olivia de Havilland, que estava nomeada por A Minha História.
"O que tinha eu feito!", escreve Fontaine nas suas memórias, No Bed of Roses, de 1978. É assim que começa a lembrar a reacção da irmã ao vê-la receber o Óscar - a Hollywood Reporter recorda esta segunda-feira que Joan Fontaine terá recusado receber os parabéns de Olivia quando subia ao palco. "Toda a animosidade que tínhamos sentido uma pela outra enquanto crianças, os puxares de cabelo, as selváticas lutas, a vez em que Olivia tentou partir-me a clavícula, tudo assomou de repente em imagens caleidoscópicas", escreveu Joan em No Bed of Roses, citada pelos Los Angeles Times. A cena repetir-se-ia quando De Havilland ganhou o Óscar e Fontaine a tentou cumprimentar, sendo rejeitada, escreve o Guardian. Foram algumas das várias cenas da rivalidade que manteve Hollywood atenta a cada episódio do folhetim entre duas irmãs - também concorrentes no amor, tendo sido disputadas pelo excêntrico milionário Howard Hughes, que terá tido um caso com Olivia mas pedido repetidamente Joan em casamento -, que cortariam relações definitivamente nos anos 1970.
O seu ar frágil, pálido, com um olhar amedrontado mas ao mesmo tempo sedutor celebrizou-a e colocou-a nos thrillers de Hitchcock, diz o Guardian, mas mais tarde iria fazer dela protagonista de vários filmes românticos. E essas escolhas podem ter sido um dos motivos pelos quais sua carreira não foi tão fulgurante quanto se previa. Depois do Óscar, considera o historiador de cinema David Thomson, citado pelo LA Times, "ela foi atrás de papéis românticos e nobres, sem ter a verdadeira sofisticação emocional de uma [Carole] Lombard ou de uma [Myrna] Loy, e entrou nos 'dramalhões' sem a convicção de uma Joan Crawford".
A sua carreira foi também marcada pelo papel de protagonista em Carta de uma Desconhecida (1948), de Max Ophüls, em que encarnou Lisa Berndle, ou pela sua Tessa Sanger em De Amor Também se Morre (1943), pelo qual recebeu a sua terceira nomeação para o Óscar de Melhor Actriz e que descreveu como o seu filme, realizador e co-protagonista favoritos.
Foi Lady Rowena em Ivanhoe (1952), Ivy Lexton em Lábios que Envenenam, de Sam Wood (1947), Manina Stewart em Paraíso Proibido, de William Dieterle (1950), Jenny Carey em Renúncia, de George Stevens (1952) e Susanne Lane em Destino a Tânger, de Charles Marquis Warren (1953). Contracenou com algumas das mais brilhantes estrelas masculinas da época, como James Stewart em Sejamos Alegres, Orson Welles em A Paixão de Jane Eyre, com Burt Lancaster em Beija o Sangue das Minhas Mãos e, claro, Laurence Olivier em Rebecca e Cary Grant em Suspeita. Além de Hitchcock, filmou com Billy Wilder (A Valsa do Imperador), Nicholas Ray (A Deusa do Mal) e Fritz Lang (A Verdade e o Medo).
Já depois da década de 1950, Joan Fontaine voltou-se para participações em produções televisivas e para peças de teatro, tendo participado em várias encenações na Broadway - substituiu Deborah Kerr em Tea and Sympathy em 1954, contracenando com Anthony Perkins, e Julie Harris em Forty Carats no final dos anos 1960. O New York Times lembra as suas palavras sobre Hollywood na sua autobiografia. "Apercebo-me de que uma qualidade que possui e que se destaca não é a sua sumptuosidade, o sol perpétuo, as oportunidades de ouro, mas o medo." Porque tal como "as carreiras muitas vezes aqui começam por acaso, podem evaporar-se de forma igualmente rápida".
Foi casada quatro vezes, tendo-se divorciado do último marido, Alfred Wright Jr., em 1969. Teve uma filha, Deborah, e em 1952, adoptou uma menina peruana, que fugiu de casa em 1963. A sua vida pessoal tornou-se numa verdadeira lenda de Hollywood, diz a BBC, não só porque era uma chef de primeira água, piloto de aviões, formada em arquitectura de interiores e golfista experiente, mas muito pela rivalidade com a irmã mais velha, Olivia de Havilland. O New York Times lembra que a própria Joan atribuía essas relações difíceis ao facto de se ter casado e recebido um Óscar antes da irmã mais velha. "Casei-me antes de Olivia, ganhei o Óscar antes dela e, se morrer primeiro, ela ficará sem dúvida furiosa que eu a tenha batido", disse um dia Joan, citada pela AFP.
Contudo, a carreira de Joan Fontaine seria menos fulgurante do que a da irmã mais velha. Olivia de Havilland, que aos 97 anos vive em Paris, atingiu o sucesso mais depressa do que Joan - foi Melanie Hamilton em E Tudo o Vento Levou (1939), e nomeada para o Óscar de Melhor Actriz Secundária por esse papel, e Maid Marian em As Aventuras de Robin dos Bosques (1938) com Errol Flynn. Este foi apenas um em oito filmes em que contracenou com Flynn. Receberia dois Óscares, um em Lágrimas de Mãe (1946) e outro por A Herdeira (1949), e foi nomeada para outros três. "A minha irmã nasceu um leão e eu um tigre", descreveu Joan em 1992 numa entrevista. "E segundo as leis da selva, eles nunca foram amigos."
Notícia actualizada às 14h50
com informação sobre a rodagem de Rebecca
Notícia corrigida às 16h11
-ano de nascimento da actriz