Por que foi tão violento o tsunami do Japão? Os geólogos explicam agora porquê

Havia um intervalo invulgarmente pequeno entre os dois lados da falha geológica implicada no sismo de 11 de Março de 2011 que estava preenchido por uma argila fininha, escorregadia como um lubrificante, oferecendo pouca resistência, que amplificou a sua violência.

O navio <i>Chikyu</i>, que está equipado com uma broca para perfurar o fundo do mar
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O navio japonês Chikyu, que está equipado com uma broca para perfurar o fundo do mar a grandes profundidades IODP/JAMSTEC
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O investigador Patrick Fulton com amostras obtidas nas perfurações no epicentro do sismo IODP
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O brutal tsunami que se abateu nas costas do Japão, a 11 de Março de 2011 KYODO/Reuters
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O poder destrutivo das ondas do tsunami de 11 de Março de 2011 KYODO/Reuters

Antes das razões científicas encontradas – expostas em três trabalhos liderados por Kohtaro Ujiie, da Universidade de Tsukuba, no Japão; Patrick Fulton, da Universidade da Califórnia em Santa Cruz; e Frederick Chester, da Universidade A&M do Texas, as duas últimas nos EUA –, fale-se um pouco sobre a geologia da região. O sismo de 11 de Março de 2011, com epicentro a cerca de 200 quilómetros ao largo da cidade japonesa de Sendai, ocorreu numa zona de fronteira de placas. Mais: é uma zona de subducção, o que significa que uma dessas placas (a do Pacífico) está a enfiar-se por baixo de outra (a Norte-Americana) e o resultado é a criação da Fossa do Japão.

Até aqui, nada de novo, pois já se sabia que as zonas de destruição de placas são muito sísmicas. Já agora, diga-se que um sismo é provocado quando há uma ruptura brusca da crosta terrestre, numa falha geológica que já existe ou numa que é criada de novo durante o próprio abalo sísmico. O sismo de Março de 2011 teve origem numa falha já existente chamada "Tohoku-Oki", localizada na fronteira entre as placas do Pacífico e Norte-Americana, e rompeu ainda a crosta ao longo de 200 quilómetros na Fossa do Japão.

O que surpreendeu os cientistas foi a dimensão do deslocamento vertical (elevação ou ressalto) na falha. Até 2011, o maior deslocamento numa falha, por sinal também numa zona de fronteira de placas, datava de 1960, ao largo da costa do Chile, onde o sismo mais violento alguma vez registado na Terra (9,5 de magnitude) provocou a elevação do fundo do mar de um dos blocos da falha em cerca de 20 metros.

No sismo do Japão, a ruptura da crosta que começou a cerca de 20 a 30 quilómetros de profundidade rapidamente se propagou em todas as direcções ao longo da fronteira de placas. E, quando essa ruptura subterrânea chegou até à superfície da crosta, deformou o fundo do mar e provocou uma elevação do solo marinho que excedeu os 50 metros, desencadeando o catastrófico tsunami que se abateu nas costas do Japão. Cerca de 19.000 pessoas morreram no terramoto. Nalgumas zonas, a onda do tsunami atingiu os dez metros de altura.

Ora aquela elevação de mais de 50 metros do fundo do mar, a maior observada numa falha num único sismo, diz a equipa internacional, era intrigante. Para estudar a zona de ruptura do sismo, o navio japonês de perfurações oceânicas Chikyu recebeu como missão especial ir perfurar na zona da falha Tohoku-Oki e esteve, em 2012, numa expedição de 50 dias. Trabalhando no limite da tecnologia de perfuração, fizeram-se três furos no solo marinho na área da Fossa do Japão – entrando mais de 800 metros pela crosta terrestre –, numa zona onde o mar atinge profundidades que rondam os 6900 metros. Somando a distância até ao fundo do mar e a dos furos crosta adentro, estas perfurações constituíram recordes de profundidade.
 
Argilas do coração do sismo
Vasculhados pelos cientistas, esses preciosos materiais e rochas vindos do coração do quarto maior sismo de sempre ajudaram a chegar a, pelo menos, duas razões principais para um deslocamento vertical tão grande entre os blocos de uma falha. E, em última análise, por que teve o tsunami aquela violência.

Primeira razão: o intervalo entre os dois blocos da falha geológica, que é uma fenda e uma zona de deformação na crosta terrestre, e neste caso também uma fronteira entre placas, é muito pequeno, ou seja, o espaçamento entre os dois lados da falha é pouco espesso. Tem menos de cinco metros.

Mas por que é que a estreiteza da falha teve aqui importância? Porque há menos espaço para dissipar a energia produzida pelo sismo do que se esse intervalo fosse maior. Com mais espaço entre os dois lados da falha (ou, neste caso, das próprias placas tectónicas), o desnível seria mais pequeno. “Mostra como a falha era muito pouco resistente”, responde ao PÚBLICO uma das autoras da investigação, Emily Brodsky, da Universidade da Califórnia em Santa Cruz. E, se esses materiais são escorregadios, ainda pior. “Materiais deslizantes concentrados numa zona muito estreita oferecem pouca resistência, enquanto materiais resistentes distribuem o movimento por uma área maior”, acrescenta Emily Brodsky.  

“Tanto quanto é do nosso conhecimento, é a fronteira de placas mais fina da Terra”, diz, por sua vez, Christie Rowe, da Universidade de McGill, citada num comunicado desta instituição no Canadá.

Segunda razão: os materiais que preenchem a estreita falha, como pôde constatar-se nas amostras recolhidas nas perfurações, são precisamente constituídos por sedimentos argilosos extremamente finos. “É a argila mais escorregadia que pode imaginar-se. Se a esfregarmos entre os dedos, parece um lubrificante”, descreve Christie Rowe.

Durante o sismo, enquanto a falha se movimentava, o atrito pode ter sido pequeno por causa daqueles materiais fininhos, o que explicaria o grande deslocamento vertical entre as placas. “A falha de Tohoku é mais deslizante do que se esperava”, comenta Emily Brodsky, num comunicado da sua universidade.

Para Christie Rowe, a descoberta desta argila invulgarmente fina na falha de Tohoku-Oki sugere que outras zonas de subducção no Noroeste do Pacífico, onde este tipo de sedimentos está presente, podem gerar sismos violentos semelhantes ao do Japão.

 Além disto, num dos três furos, a equipa instalou um observatório de medição da temperatura – com o objectivo de medir o calor na falha, que foi gerado pela fricção dos seus dois lados durante o sismo, o que gera calor da mesma maneira que quando esfregamos as mãos. Esse calor daria indicações, de forma directa, da resistência de uma falha à fricção, algo nunca tinha sido conseguido até agora na natureza (só em laboratório). “Tem sido difícil obter estas medições, porque o sinal é fraco e dissipa-se com o tempo. Só com um grande sismo e uma resposta rápida”, explica Emily Brodsky.

“Isto permite-nos ter uma visão sem precedentes de como funcionam os sismos. Ninguém sabe realmente qual é a resistência de fricção e isto dá-nos, pela primeira vez, uma ideia”, observa, por seu lado, Robert Harris, da Universidade Estadual do Oregon. “Ajudar-nos-á a compreender a dinâmica dos sismos.”

Ao fim de nove meses de operação, recuperaram-se 55 aparelhos que estiveram a medir a temperatura no furo. Resultado: o calor por fricção na falha Tohoku-Oki foi extremamente baixo para um sismo daquela magnitude, o que permite corroborar a fraca resistência oferecida por materiais pouco coesos, levando a que a falha se movimentasse mais.

“Inesperadamente, a falha era fria, apesar de ter tido um ressalto de 50 metros, o que significa que houve pouca fricção. As rochas recolhidas também apresentavam uma baixa fricção quando foram testadas em laboratório”, diz-nos Emily Brodsky. “A combinação dos vários dados mostra que a falha era muito deslizante, o que contribuiu para o seu grande ressalto”, remata.
 
 
 
 
 

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