Maria Mota, galardoada com o Pessoa 2013: “Este prémio é para a minha geração de cientistas”

Há quase 19 anos que investiga o parasita da malária. Nesta sexta-feira, Maria Mota viu o seu trabalho reconhecido com a atribuição do Prémio Pessoa 2013, no valor de 60 mil euros.

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Maria Mota, de 42 anos, há mais de dez que lidera uma equipa que estuda a malária Tiago Machado

“É a primeira vez que recebi um prémio que não vem do mundo da ciência, mas da sociedade em geral”, diz Maria Mota ao PÚBLICO. “Sinto-me muito honrada e um grande sentido de responsabilidade. Este prémio é para a minha geração de cientistas em quem Portugal apostou, que fez o doutoramento lá fora e voltou. É um sinal importante da sociedade que diz: ‘Não queremos perder estas pessoas. Confiamos em vocês.’”

A malária é hoje um tema na berra. A doença continua a matar cerca de um milhão de pessoas todos os anos, mas há uma grande aposta na sua investigação. Há 20 anos havia mais mortes e a investigação era velha. “É incrível como houve uma modificação completa no paradigma da investigação. Quando comecei, era um campo um bocado morto, não havia dinheiro, os laboratórios de parasitologia eram velhos, as pessoas eram antigas."

Qual a razão para se aventurar neste tema? Durante o mestrado de imunologia, que fez ainda na Universidade do Porto onde terminou a licenciatura em biologia, Maria Mota deparou-se mais de perto com o estranho mundo dos parasitas em geral. “Entusiasmou-me esta ideia de uma célula estar dentro de outra célula, modificá-la, haver um combate. Mas ao longo da evolução, este combate passou a ser mais a um braço-de-ferro quase entre amigos, onde às vezes se cede e outras não.”

A cientista aceitou depois um convite para o doutoramento em Londres na área da malária, onde se deparou com um parasita altamente complexo. A malária pode ser causada por algumas espécies de parasitas do género Plasmodium. O mais conhecido é o Plasmodium falciparum, que provoca a maior mortalidade.

Este parasita unicelular é transmitido pelas fêmeas dos mosquitos anófeles que picam as pessoas. O parasita é introduzido na corrente sanguínea, viaja até ao fígado onde se instala numa célula. Aqui, multiplica-se em milhares de células, que se libertam para o sangue. O parasita introduz-se depois nos glóbulos vermelhos, onde volta a multiplicar-se. É quando o Plasmodium se liberta das células sanguíneas que as pessoas manifestam os sintomas da malária: febres altas, dores de cabeça, mal-estar, dores no corpo, às vezes morte. Os parasitas voltam a infectar outros glóbulos vermelhos. Alguns dos novos parasitas mudam de forma e, quando são sugados por outro mosquito anófeles, reproduzem-se e o ciclo recomeça.

O Plasmodium, tão complexo, foi conseguindo adaptar-se aos medicamentos. As várias tentativas de vacinas desenvolvidas nunca resultaram. “Todas as equipas estavam obcecadas na produção de uma vacina. Perderam-se décadas de investigação, onde não se aprendeu nada sobre o parasita”, diz a investigadora portuguesa.

Mas algo mudou a meio da década de 1990. Maria Mota ficou marcada por uma capa da revista Nature sobre a malária, na qual se mostrava que a doença estava a matar mais. Houve congressos, o nascimento, em 1994, da Fundação Bill & Melinda Gates, com uma grande aposta na luta contra a malária e um rejuvenescimento na investigação.

Em 1999, Maria Mota foi para o Centro Médico da Universidade de Nova Iorque depois de terminar o doutoramento, onde fez a sua primeira grande descoberta que saiu na revista Science: “Provo que o parasita atravessa várias células do fígado até se instalar numa delas.” O fenómeno já tinha sido observado por outros cientistas, explica a cientista, mas foi desprezado. “Mas eu vi-o com os meus próprios olhos.”

A cientista voltou em 2002 para Portugal, onde esteve no Instituto Gulbenkian de Ciência, em Oeiras. Em 2005, transferiu o seu laboratório para o IMM e começou a dar aulas na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

Maria Mota fala-nos dos resultados que a marcaram mais: a descoberta de que os ratinhos que produzem maiores quantidades da enzima heme-oxigenase-1 estão mais protegidos da malária cerebral (a forma mais perigosa desta doença), mostrando que a susceptibilidade à doença se deve a uma característica do hospedeiro (nós próprios) e não do parasita; a descoberta de que a mesma enzima protege os hospedeiros durante a fase sanguínea, ao mesmo tempo que é essencial para a entrada do parasita no fígado; ou a observação de que os bebés têm um mecanismo que os impede de voltarem a ser infectados pelo parasita quando já estão infectados, mesmo se tornam a ser picados, ao contrário dos adultos.

Em Janeiro do próximo ano, a equipa de Maria Mota publicará mais uma novidade. Pensava-se que o sistema imunitário humano só atacava a malária quando o parasita atingia a fase sanguínea, mas afinal ataca e mata alguns dos parasitas quando ainda estão no fígado.

“Olhamos para o hospedeiro e tentamos compreender o que este bicho nos faz. O parasita está dependente de nós”, diz Maria Mota, resumindo o trabalho da equipa. A cientista defende que há agora muitas mais pessoas a investigar nesta doença e, por isso, uma maior probabilidade de surgir uma ferramenta poderosa para a combater. Mas também nunca se compreendeu tão bem a complexidade da malária. “Estamos a olhar para uma grande heterogeneidade de pessoas [atingidas pela malária] e de parasitas. É preciso várias ferramentas [vacinas, fármacos] para atacar as diferentes fases do parasita.”

A produtividade científica de Maria Mota “é de excepcional qualidade”, diz a acta do júri do Prémio Pessoa, que vai na 27ª edição. “É igualmente de sublinhar o seu empenhamento entusiástico no que se pode chamar de cidadania da ciência. Maria Mota é fundadora e presidente da Associação Viver a Ciência, que tem como objectivo encorajar a filantropia em Portugal.” António Damásio, Hanna Damásio, Manuel Sobrinho Simões ou Maria do Carmo Fonseca foram outros cientistas galardoados em edições anteriores.

Para a imunologista Maria de Sousa, membro do júri, citada pela Lusa, Maria Mota representa “um tecido de jovens cientistas portugueses que inspira os novos a querer fazer ciência”: “Por cima dessas pessoas, há o aviso ao país, e ao Governo, de que há uma administração da ciência, que é insuficiente, para não dizer em alguns casos incompetente.”

Maria Mota ainda não sabe o que fazer com os 60 mil euros do prémio. “Tenho a certeza de que será utilizado para a equipa ter maior liberdade e criatividade”, responde a cientista, que considera a sua vinda para Portugal responsável pelo sucesso que teve. “Na última década, chegou imensa gente da minha geração a Portugal com questões muito interessantes, e queriam partilhá-las. Na minha equipa, tenho membros fantásticos, estudantes muito entusiasmados, que se estivessem em Cambridge iriam querer estar nas equipas dos premiados com o Nobel.”

Para a investigadora, a ciência portuguesa está “à beira do precipício”, devido à crise e à forma como se está a gerir a investigação. Admite que já teve uma oferta para sair do país, mas por decisão familiar acabou por ficar. “Estes convites são um óptimo sinal para Portugal, o problema é se o fluxo é só num sentido.”

Por cá, a cientista está agora, juntamente com Miguel Prudêncio, líder de outra equipa no IMM, a desenvolver uma vacina contra a malária, que teve financiamento da Fundação Gates. No laboratório, está-se também a tentar compreender como é que o parasita da malária utiliza os nutrientes do hospedeiro para se alimentar. O momento da descoberta é o que deixa Maria Mota mais feliz: “De repente, a minha cabeça faz a ligação. É fantástico, é para isso que existimos, para descobrir coisas novas, é o propósito da humanidade."
 
 

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