Os portugueses têm noção do perigo que correm com os tsunamis? Nem por isso

As populações do Algarve e da Área Metropolitana de Lisboa são as mais expostas às ondas gigantes criadas por um sismo no mar. No início de 2014 vai começar a funcionar um sistema de alerta precoce de tsunamis em Portugal. Apesar deste risco no país, um inquérito revela que este perigo quase não existe na cabeça dos portugueses.

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Entre 28 riscos – como acidentes de viação, ondas de calor, vagas de frio, incêndios florestais, cheias, sismos, epidemias, acidentes de comboio, acidentes aéreos ou ruptura de barragens –, os tsunamis aparecem em último lugar na importância dos riscos percebidos como tal pelos portugueses inquiridos.

“O risco de tsunami é o último a figurar numa escala comparativa, composta por um total de 28 riscos, de percepção da possibilidade do país ou do local de residência dos inquiridos serem afectados por riscos naturais e tecnológicos”, refere o relatório “O Risco de Tsunami em Portugal – Percepções e Práticas”, realizado pelo sociólogo José Manuel Mendes, coordenador do Observatório do Risco, e pela geógrafa Susana Freiria.

“Que seja do meu conhecimento, é a primeira vez que é feito um inquérito sobre a percepção dos tsunamis em Portugal”, diz-nos José Manuel Mendes, acrescentando que houve outros inquéritos, coordenados por Maria Eduarda Gonçalves (do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa) e Luísa Schmidt (do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa), mas dedicados à percepção de outros riscos ambientais e tecnológicos.

Como havia falta de informação específica sobre o tema, o relatório foi pedido pelo Grupo de Trabalho de Investigação, Monitorização e Alerta Precoce de Tsunamis (de que José Manuel Mendes faz parte), que integra o Comité Português para a Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI, da UNESCO). Aliás, a COI está a criar, desde 2005, um sistema de alerta precoce de tsunamis no Atlântico Nordeste, Mediterrâneo e outros mares na região (no Pacífico e nas Caraíbas já há um sistema mantido pelos Estados Unidos com outros países, tal como no Índico foi criado um já depois da tragédia de 2004 no Sudoeste asiático).

Portugal é um dos 19 países participantes no sistema no Atlântico Nordeste, Mediterrâneo e outros mares da região. No início de 2014, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) começa a operar o sistema de alerta “como responsabilidade nacional”, explica o geofísico Fernando Carrilho, um dos coordenadores no país do projecto europeu. “A 1 ou 2 de Janeiro, entramos em operação a nível nacional e, no início do segundo semestre de 2014, ofereceremos os serviços aos restantes países do Nordeste Atlântico.”

Alertas à população
Em Portugal, é ao IPMA que cabe lançar os avisos de tsunami à Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), à qual por sua vez compete fazer os alertas à população e a outras entidades que vão pôr em prática as medidas de protecção. Em relação aos outros países envolvidos no sistema, o IPMA também enviará alertas para as entidades suas congéneres ou para os serviços de protecção civil. Aliás, Portugal lidera um projecto de investigação sobre tsunamis financiado em seis milhões de euros pela União Europeia, que começou agora: coordenado pela geofísica Maria Ana Baptista, do Instituto Dom Luiz da Universidade de Lisboa, envolve instituições de 16 países e nos próximos três anos, entre outras, irá estudar a recorrência a longo prazo de tsunamis no Nordeste Atlântico e no Mediterrâneo, desenvolver ferramentas informáticas de avaliação do risco e melhorar a identificação dos mecanismos na sua origem e as capacidades de detecção e de alerta precoce na região.

Nesta fase actual do sistema em Portugal, os alertas basear-se-ão na informação obtida pelas estações sísmicas em terra (um sismo com epicentro no mar e magnitude superior a 6,5 graus pode ter provocado um tsunami), confirmados depois pela rede de marégrafos junto à costa, à medida que a onda chegar.

Para já, porque são caras, não haverá estações no fundo do mar, cujos sensores permitiriam detectar com mais fiabilidade se um tsunami vem a caminho (os sensores detectam uma certa variação na altura da coluna de água, devido à deformação do fundo do mar causada pelo sismo). A configuração estudada do sistema para o Sudoeste do Cabo de São Vicente incluía o mínimo de três estações, cada uma a custar cerca de 700 mil euros, com outros 700 mil euros por ano em manutenção.

“É o problema do investimento inicial, que é substancial, e da manutenção regular. Isto afasta países com potencial económico superior ao nosso, como a França, que não avançaram nesta linha”, diz Fernando Carrilho. Só a Turquia instalou estas estações – seis, no mar de Mármara – e, segundo o geofísico, tem planos para mais. Outros países, como a Grécia e França, já têm o sistema de monitorização e alerta em operação no Mediterrâneo, mas sem estações no fundo do mar.
 
Avaliados 28 riscos
Voltando aos resultados do relatório de Coimbra, baseiam-se num inquérito, em Novembro de 2008, a uma amostra representativa da população residente em Portugal continental, com mais de 17 anos. O inquérito fez parte do projecto “Risco, Vulnerabilidade Social e Estratégias de Planeamento – Uma Abordagem Integrada”, com uma amostra de 1200 pessoas. Neste projecto, constava um módulo com perguntas sobre a percepção do risco de tsunamis e as práticas relacionadas com esse risco, aplicado aos 1200 inquiridos. O trabalho foi complementado com outro módulo, com perguntas específicas para quem vivia no litoral e em zonas de estuário, neste caso aplicado a 800 pessoas.

Para avaliarem a percepção dos 28 riscos, os investigadores utilizaram uma escala de possibilidade de o local de residência ou o país serem atingidos por esses riscos. A escala ia de 1 (nenhuma) a 5 (muito grande), e em que o 2 é uma possibilidade “pequena”, o 3 “nem muita nem pouca” e o 4 “grande”. “Os valores da intensidade da percepção do risco de tsunami são baixos, não chegando a atingir o valor 3, o qual representa o valor neutro da escala (…) aplicada”, lê-se.

Esta baixa percepção do risco de tsunamis não é alheia ao facto de este fenómeno natural se manifestar de forma muito espaçada no tempo, refere o relatório. “Felizmente, não acontece muitas vezes”, comenta Fernando Carrilho. “O último grande tsunami foi em 1755, depois disso houve outros, mas de dimensão muito inferior. Isso faz com que se apague da memória das pessoas, que terão consciência de outros riscos com períodos menores, o que não é surpreendente.”

Um sismo é originado pela ruptura da crosta terrestre e, quando esse rompimento deforma o fundo do mar, origina-se uma onda que movimenta toda a coluna de água, desde o fundo marinho até à superfície (a ondulação normal é só superficial). E é a energia de toda essa água que se abate sobre as zonas costeiras. Como aconteceu no terramoto de 1755, desencadeado por um sismo de 8,7 graus de magnitude, seguido por um tsunami, que arrasaram Lisboa matando cerca de dez mil pessoas.

O Algarve, a Área Metropolitana de Lisboa (que engloba 18 municípios da Grande Lisboa e da península de Setúbal) e a costa até à Nazaré são as zonas do Continente em maior risco. Ainda que, genericamente, os portugueses não pareçam estar conscientes deste risco, é precisamente no Algarve, na capital e na Área Metropolitana de Lisboa que o estudo registou “os valores mais altos em termos de percepção do risco de tsunamis”.

Mas se quem vive na Área Metropolitana de Lisboa, onde se incluem os municípios da península de Setúbal, está entre quem tem os valores mais altos no país de percepção do risco de tsunamis, neste grupo mais consciente deste risco quem tem os resultados mais baixos são os dos residentes naquela península. “Consideram-se preocupantes as respostas dos inquiridos residentes na península de Setúbal, uma das áreas com um dos níveis de susceptibilidade mais elevados no país, onde a percepção do risco de tsunami é quase insignificante”, conclui o relatório.

“Esta situação exigirá no futuro um plano de comunicação do risco de tsunami especificamente orientado para esta região e também para o Algarve”, acrescenta o documento. É no Algarve, curiosamente, que os inquiridos consideram que o resto do país tem mais possibilidade de ser atingido por um tsunami do que o seu próprio local de residência, que, como se viu, está entre as zonas de maior risco.
 
Experiência-piloto em Setúbal
Só que o local onde se vive não é tudo o que importa neste caso. Pode viver-se no interior e ir-se de férias para o litoral, pelo que este é um risco que todos podemos correr. Por isso, perguntou-se aos inquiridos se visitavam ou passavam férias em zonas costeiras, em Portugal ou no estrangeiro: 55% responderam que costumavam deslocar-se à costa portuguesa e 14% que o faziam no estrangeiro.

Daqueles que vão até ao mar nas férias, 82% desconhecem se essas zonas costeiras podem ou não ser afectadas por um tsunami. Aos 18% que responderam saber se as zonas costeiras para onde vão podem ser afectadas, perguntou-se quando é que souberam disso: “[É] interessante notar que mais de 50% responderam ter sido depois de 2004, o ano em que ocorreu um tsunami no oceano Índico, com consequências devastadoras”, refere o relatório, referindo-se que esta catástrofe “actuou como um amplificador do conhecimento e da consciência do risco de tsunami”.

Nem todos os resultados são preocupantes, uma vez que 55% dos inquiridos disseram que queriam ter mais informação, “o que comprova que existe um público potencial para acções de sensibilização e divulgação de informação sobre este tipo de risco”. Sinalização visual e alertas sonoros é o tipo de informação que os inquiridos gostariam de ter, por exemplo em zonas balneares. “Caberá às autoridades competentes a concretização dessas práticas mitigadoras”, lê-se.

A este nível, já se fez uma experiência-piloto em Setúbal, no Parque Urbano de Albarquel: num projecto do Joint Research Centre da Comissão Europeia, em Itália, em 2001 instalou-se, com a colaboração da autarquia e da protecção civil municipal, um sistema composto por painel (que podia transmitir informações ao público sobre o tempo da chegada de um possível tsunami, com base informação sísmica), uma sirene de alerta e um altifalante. “Neste momento, não está completamente funcional”, informa Fernando Carrilho, cujo instituto não participou directamente neste projecto.

O que fazer para não ser apanhado por um tsunami? A esmagadora maioria dos inquiridos (95%) disse nunca ter adoptado medidas preventivas; e os poucos que as aplicaram referiram não ir à praia, deixar o carro a uma distância segura da praia e não fazer turismo balnear em locais susceptíveis a tsunamis. “O ideal seria fazer um questionário de diagnóstico de dois em dois anos, incluindo riscos, práticas e processos de mitigação (pontos de encontro, reservas de água em casa, etc.)”, considera José Manuel Mendes.

Caso sinta o chão a tremer fortemente quando estiver na praia, fuja rapidamente para uma zona alta. Mas um tsunami pode ter uma origem muito distante e demorar 24 horas a atravessar uma bacia oceânica. Como neste caso não sentiríamos o sismo, outros sinais naturais podem servir de alerta: a onda poderá ser antecedida por descida brusca do nível do mar, deixando expostos os peixes e as rochas.

O último exercício público promovido a 11 de Outubro pela ANPC para saber o que fazer em caso de um sismo – ao longo de um minuto, em todo o país, quem quis participar executou os três gestos a fazer durante um tremor de terra (baixar-se sobre os joelhos, proteger a cabeça com as mãos, aguardar que a terra pare de tremer) – esqueceu-se dos tsunamis.

Para que todos saibam o que fazer perante um tsunami, em 2016 a COI tenciona fazer um exercício com meios no terreno, diz Fernando Carrilho “Será dado um alerta de tsunami e simulada toda a cadeia, até aos avisos e à tomada de medidas por parte da população.”
 
 
 
 
 
 
 
 

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