Diogo tem 14 anos e quer fundar uma associação nacional para a doença rara de que sofre

Portador de Charcot-Marie-Tooth, uma doença rara, Diogo lança o seu primeiro livro de poesia para angariar fundos.

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Nuno Ferreira Santos
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Aventurou-se na poesia porque se fartou da prosa. Juntou uns tantos poemas e decidiu enviá-los para a Editora Alfarroba. Algum tempo depois, soube que aquela iria publicar o seu primeiro livro, que é apresentado hoje às 21 horas na Escola de Música do Conservatório Nacional (EMCN), em Lisboa.

A falta de informação com que se deparou quando descobriu a doença, a possibilidade de ajudar outras pessoas e o desconhecimento demonstrado pelos médicos são as principais razões que levam Diogo a querer ser presidente da primeira associação do género em Portugal. “Quero captar a atenção médica e de investigadores que se entusiasmem pela busca de uma cura para a doença”, explica.

Os planos são muitos e Diogo prevê criar um programa para ajudar jovens doentes através da música e de outras artes. “Estamos ligados a muitas pessoas de outros paíse e reparamos que os portugueses são muito silenciosos, enquanto outros grupos comunicam diariamente. Os portugueses vivem a doença como um peso e é isso que ele quer mudar”, explica a mãe, Susana Moura.

Andava com a ponta dos pés
É sexta-feira. Susana e Diogo saem de casa, em São Domingos de Rana, e dirigem-se para o Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão. É lá que, todas as semanas, Diogo faz fisioterapia. Começou quando tinha dez anos, altura em que lhe foi diagnosticada uma doença, da qual nunca tinha ouvido falar. “Disseram-me que tinha Charcot-Marie-Tooth. Ao início não tinha noção de como me poderia afectar”, recorda.

Já em criança apresentava algumas dificuldades que outros não tinham. “Sempre andei de médico em médico e eles diziam-me que eu tinha aprendido a andar mal”, explica Diogo.

“O Diogo andava com as pontas dos pés. Caia constantemente e, enquanto uma criança cai e tem um hematoma normal, ele ficava automaticamente inchado”, acrescenta Susana.

A CMT é uma doença rara, mas é a mais comum das doenças neuromusculares degenerativas hereditárias. É caracterizada por uma lenta e progressiva destruição das fibras motoras e sensitivas dos nervos periféricos, o que leva à perda de força e sensibilidade nos pés, mãos, pernas e braços.

A longo prazo, pode levar o doente a uma cadeira de rodas, à incapacidade de segurar em objectos e ao aparecimento de problemas respiratórios.

Segundo o relatório “Prevalência das doenças raras: dados bibliográficos”, publicado em Junho de 2013 pela Orphanet, estima-se que 22 em cada 100 mil portugueses sejam portadores de CMT, o que significa que, no total, 2332 portugueses sofrem desta doença. “O grande problema é que os médicos não a conhecem. Acharam que ele tinha outra doença muito esquisita. Fez uma fisioterapia completamente normal, o que não ajudou nada”, lembra Susana Moura.

“Sendo uma doença rara é natural que os médicos de família não tenham intimidade com esta condição clínica”, justifica o neurologista Mamede de Carvalho, do Serviço de Neurofisiologia do Departamento de Neurociências do Centro Hospitalar Lisboa-Norte.

Com a diversidade de doenças raras, torna-se difícil estar a par de todas elas. De acordo com a Raríssimas - Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras, estima-se que existam cerca de oito mil doenças raras, sendo que a cada ano se identificam mais. Calcula-se que 6% a 8% da população portuguesa seja portadora de uma destas doenças, ou seja, entre 600 mil e 800 mil pessoas.

Uma doença sem cura
Em Alcoitão, numa sala repleta de brinquedos, colchões e máquinas, está o fisioterapeuta Miguel Relvas. Diogo troca de roupa e deita-se para começar a fazer alongamentos. “Já estabelecemos uma rotina. Alongamos os membros inferiores e o tronco. Depois trabalhamos o equilíbrio, a resistência muscular e a força”, descreve o técnico, que acompanha Diogo há cerca de três anos.

Esta é apenas uma das fases do tratamento do rapaz, que inclui consultas de neurologia, fisiatria e psicologia, mas é o fisioterapeuta que tem mais contacto com ele. “É o Miguel que melhor o conhece porque está com ele todas as semanas”, revela a mãe.

Apesar dos esforços, não é possível pensar-se em grandes melhoras. “Não há cura, independentemente do tipo CMT”, afirma Luís Negrão, do Serviço de Neurologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra.

Segundo o especialista, o tratamento passa por tentar “minimizar as consequências das manifestações motoras nas actividades diárias, utilizando ajudas técnicas quando necessário” e procurar “impedir que determinadas manifestações clínicas se exprimam ou atinjam proporções significativas, recorrendo à cirurgia”.

Diogo nunca foi operado. Para já, utiliza umas palmilhas desenhadas em Alcoitão, que lhe compensam o vazio criado pelo arco que tem no pé, e os foot-ups, uma espécie de caneleira colocada no tornozelo que permite aliviar a força que tem de fazer para se mover.

Ao longo da consulta, Diogo insiste em pôr música no telemóvel. Ouve-se System of a Down e Gary Jules. É assim todas as semanas, em todos os lugares, seja na escola, no carro ou em casa. O fisioterapeuta pergunta-lhe: “Já conheces o novo álbum dos Queen of The Stone Age?”.

A terapia do piano
Aos cinco anos, Diogo começou a tocar piano. Aos nove, entrou na EMCN, onde se mantém. E sonha, um dia, frequentar a Berklee College of Music, especializada em jazz, em Boston, nos Estados Unidos. ”Tocar piano é uma forma de terapia”, declara Diogo.

“Na minha opinião, nós damos importância ao que queremos. O que é que é importante para mim? A minha felicidade ou o facto de me estar a doer o dedo mindinho?”, resume o jovem, mesmo sabendo que um dia poderá ter de mover-se numa cadeira de rodas.

Para Diogo, tocar piano é mais do que uma terapia da mente. “Eu tive sorte em começar a tocar desde cedo, porque isso acabou por funcionar como uma espécie de fisioterapia que me ajudou a manter os músculos das mãos”, acredita.

“Não há nenhuma evidência científica que suporte esta interpretação”, diz, por seu lado, o médico Mamede de Carvalho.

Mas, apesar de a ciência não ser conclusiva quanto aos benefícios de tocar piano, tudo indica que tem sido importante para travar o aumento da fraqueza nas mãos de Diogo, consideram a mãe e o fisioterapeuta.

“Já chegou ao pé de mim e disse-me que naquela semana tinha estudado menos. E isso reflecte-se porque a massa muscular regride imediatamente quando não é permanentemente trabalhada”, observa João Vale, professor de piano na EMCN.

Apesar de ainda não estar numa fase avançada, com a perda de força e destreza nas mãos, Diogo poderá, a determinada altura, deixar de tocar piano, uma das coisas a que se dedica mais horas por dia.

Habituado a planear a sua vida, Diogo coloca essa hipótese quase como uma certeza. ”Arranjaria sempre forma de não sair do ramo da música. Pode não ser propriamente a tocar. Pode ser a compor, a dirigir uma orquestra ou um coro”, considera.

Por enquanto dedica-se a aprender o máximo possível. Foi por isso que, em 2012, se inscreveu na Big Band Junior do Hot Club. “Quando chegou o jazz tudo se revitalizou”, refere Diogo, que se encontrava cansado do reportório clássico que lhe ensinavam no conservatório.

Foi assim que todas as segundas-feiras passou a ter ensaios na orquestra de jazz do Hot Club, que inclui jovens dos 12 aos 16 anos. É lá que se sente em casa e encontra a melhor cura para a sua condição. “Com a mente no sítio certo já ganhamos metade da batalha”.

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