Esta galeria é um projecto de geração

A Vera Cortês Art Agency festeja hoje dez anos. Pretexto para uma conversa com a galerista que em 2005 fez de um apartamento na 24 de Julho uma casa para os seus artistas. A história da sua agência deu um livro.

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Vera Cortês representa hoje 17 artistas portugueses e estrangeiros Enric Vives-Rubio

“Gosto deste lado da agência estar instalada num espaço que poderia ser a casa de alguém porque isso nos dispõe, de imediato, para um ambiente menos formal, mais intimista e acessível”, diz a galerista.

A poucos dias desta festa de aniversário, que inclui o lançamento de um livro que mostra o que foi feito nestes dez anos e é uma espécie de memória futura, Vera Cortês faz um balanço a partir da agência que há oito anos está instalada num apartamento da Avenida 24 de Julho, em Lisboa. É aí que expõe com regularidade os trabalhos dos 17 artistas que representa, uma lista que inclui João Queiroz, Daniel Blaufuks, Gabriela Albergaria, Ricardo Jacinto e a dupla britânica John Wood e Paul Harrison, entre outros que ainda não chegaram aos 30 anos, como Alexandre Farto aka Vhils e Nuno Luz.

O livro, explica Cortês, foi uma maneira de olhar para trás “sem nostalgia e com orgulho”, mostrando que o que se fez, com avanços e recuos, “é um projecto de vida”.

Crise e mudança
Vera Cortês começou em 2003 a produzir exposições de artistas em quem acreditava mas a quem não exigia exclusividade num espaço de 50m2 no Chiado e noutros que não lhe pertenciam. Em 2005 desceu até ao rio e instalou-se na 24 de Julho, passando a ter uma carteira de nomes associados à agência. Os três anos seguintes foram de grande crescimento, mas 2009 trouxe uma viragem. “Em 2009 olhámos para as contas da empresa e a relação custo/benefício era claramente negativa. Se não mudássemos, se não criássemos uma nova estratégia capaz de reduzir substancialmente os custos fixos não conseguiríamos manter a porta aberta”, explica a galerista, de 42 anos.

Era preciso, sobretudo, “focar” mais a internacionalização e escolher melhor o que se apresentava, adaptando a oferta ao mercado a que se destinava, o que nem sempre era fácil. “Em 2008 fizemos sete ou oito feiras, de Miami a Berlim. Foi uma loucura. Hoje fazemos quatro por ano. Três são obrigatórias – Turim [Artissima], São Paulo [SP-Arte] e Madrid [ARCO] – e depois a outra vai mudando [já passou por Buenos Aires, Rio de Janeiro, Bogotá]”, exemplifica Cortês que, ao longo de pouco mais de uma hora de conversa, diz muitas vezes que a sua galeria é uma empresa e nunca foge às perguntas sobre o mercado, criticando muitas vezes o facto de ser um “território de ninguém” no que toca às opções políticas: “Para a Cultura somos Economia, para a Economia somos Cultura. E se os apoios culturais à internacionalização dependem de mudanças de governo, na área da economia pouco ou nada acontece. Basta ver que, sempre que vamos a uma feira e vendemos um artista português, estamos a exportar sem que tenhamos quaisquer incentivos à exportação.”

Vera Cortês é também uma mulher de negócios e isso nota-se a cada passo da sua descrição da evolução da agência que é hoje muito mais uma galeria, embora o seu começo tenha sido bem diferente. “Sempre foi muito claro na minha cabeça que queria construir um projecto empresarial, mas que queria fazê-lo com os artistas, que começaram por ser muitos e muito jovens. Ainda hoje olho para a agência como um projecto de geração.”

Alexandre Farto aka Vhils nasceu em 1987 e começou a trabalhar com Vera Cortês quando tinha apenas 16 anos. Hoje vive entre Lisboa e Londres e é um dos artistas portugueses mais internacionais. A sua obra está espalhada pelas paredes de edifícios de várias cidades do mundo e é representado por galeristas em Paris, Nova Iorque, Rio de Janeiro, Londres ou Xangai.

Vhils, na agência desde 2004, está a trabalhar há quatro dias num novo site-specific de 8X3 metros do qual ainda não pode adiantar pormenores. É junto à ponte londrina de Blackfriars, perto da Tate Modern, e é daí que fala ao PÚBLICO sobre a sua relação com a galerista, enquanto vai tentando resolver problemas no estaleiro. Vera Cortês teve um papel determinante no arranque da sua carreira e continua a ter, garante: “Ficámos amigos. A Vera acreditou em mim quando eu era mesmo um ‘jovem artista’ que ainda tinha de lidar com as questões legais do que eu fazia”, lembra, chamando a atenção para o facto desta designação em Portugal se aplicar muitas vezes a pessoas já com 35 anos e muito trabalho feito.

Começou no graffiti e hoje faz arte com recurso a uma técnica especial de gravação e à modelação 3D em projectos de arte urbana. “Eu era mesmo um miúdo e a Vera arriscou em mim. Havia outros galeristas interessados em representar-me, mas estavam sempre a tentar que eu pusesse em tela o que fazia – simplesmente a antítese do meu trabalho. A Vera percebeu-o muito bem desde o início e nunca pediu nada disso. Sem ela, eu provavelmente não estaria a fazer o que faço hoje e que, pode não ser muito, mas é o que eu quero fazer.”

“Autoria partilhada”
Vera Cortês garante que só compreende o que faz nesta proximidade entre o agente e o artista. Uma proximidade que, na sua opinião, a diferenciava inicialmente das outras galerias. “O que me interessa desde o começo, embora isso só tenha sido verdadeiramente possível quando comecei a representá-los, em 2006, é o trabalho intimista com os artistas”, diz, falando numa “ideia de autoria partilhada”.

João Queiroz (n.1957), sendo dos artistas mais velhos do grupo representado por Vera Cortês, é dos mais recentes. Trocou a Quadrado Azul pela agência há cerca de um ano por “circunstâncias pessoais” e por reconhecer nela uma “excelente maneira de trabalhar”, mas não vê grandes diferenças entre as duas galerias. “Achei que era simplesmente altura de mudar e que de facto o contacto com os artistas, tal como na Quadrado, é óptimo. E também pesou ter muitos amigos, colegas e até antigos alunos na lista da Vera Cortês.”

Pedro Cera, que há 15 anos dirige a galeria com o mesmo nome, e Delfim Sardo, curador e ensaísta, partilham da opinião de Queiroz. Ambos consideram que hoje o modelo da Vera Cortês Art Agency não difere do de outras galerias portuguesas, que vão ganhando cada vez mais profissionalismo e projecção internacional, apesar das dificuldades.

“No começo, quando tinha apenas o pequeno escritório da agência e fazia exposições em vários locais era realmente uma outra proposta que introduziu uma maneira diferente de trabalhar, mas depois, com naturalidade e um espaço próprio, aproximou-se do modelo das outras boas galerias”, defende Delfim Sardo, acrescentando que, há dez anos, o mercado da arte em Portugal vivia um clima de expansão e que Vera Cortês tem sabido apostar em grandes exposições, como a individual de Hugo Canoilas (Palácio da Ajuda, em 2006). 

É precisamente pela qualidade do programa expositivo que, como seria de esperar, depende da qualidade dos artistas representados, que empresas como a de Vera Cortês podem assegurar a sua presença no mercado internacional, diz Cera, que foi já presidente da Associação Portuguesa de Galerias de Arte. “Em Portugal, com excepção de Serralves, o programa de exposições das galerias é, há anos e anos, mais interessante do que o dos museus e outros espaços institucionais. E não estou a falar de um cenário que se instalou por causa da crise – é muito anterior. É por isso que, mesmo sendo um pequeno país, as galerias portuguesas estão bem cotadas no estrangeiro.”

Para exemplificar, Cera cita a mais recente lista das 500 melhores galerias do mundo publicada pela Blouinartinfo, publicação online especializada em notícias do mundo da arte, com 15 edições internacionais: “É significativo que um mercado como o nosso, tão pequeno, tenha quatro galerias nesta lista e que o espanhol, muito maior, tenha apenas seis.” A Pedro Cera e a Vera Cortês estão lá, assim como a Filomena Soares e a Cristina Guerra.

A qualidade nas exposições, continua Sardo, prende-se com o facto de, muitas vezes, as galerias como a de Vera Cortês estarem em condições de arriscar mais do que os museus. E fazem-no relegando para segundo plano a sua vertente comercial, “como se estivessem sobretudo preocupados em produzir a nova exposição de um dos seus artistas e não em colocar as peças no mercado”, sublinha o curador, para quem a estratégia de internacionalização da agência tem passado pela escolha de boas feiras. "Todos os galeristas seleccionam as feiras em função dos seus artistas, das parcerias internacionais que têm e dos territórios onde pretendem encontrar novos coleccionadores. A Vera Cortês tem assinado bem a sua presença no estrangeiro."

Vera Cortês, que hoje se assume como galerista mas que ainda usa muitas vezes a palavra "agência", preocupa-se, como qualquer gestor, com o crescimento sustentado da sua empresa e diz que agora, passados dez anos, já consegue evitar dizer que sim a um projecto que à partida a atrai antes de pensar em tudo o resto. “Esta agência para mim é uma corrida de fundo, não é um sprint. Uma corrida de fundo que faço com os artistas. Todos queremos chegar a algum lado, mas sabemos que, às vezes, por mais que custe, é preciso esperar.”
 

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