Draghi não quer os bancos a usar dinheiro do BCE para comprar dívida pública
BCE manteve taxas de juro inalteradas, mas prevê inflação longe dos 2% até 2015.
Na conferência de imprensa que se seguiu à reunião mensal do conselho de governadores do BCE realizada esta quinta-feira, o presidente do BCE começou por dizer que "hoje a situação de financiamento da banca e de incerteza nos mercados é bastante melhor" do que quando o banco central fez os seus primeiros empréstimos a três anos às instituições financeiras e que, agora, defendeu, se os empréstimos de longo prazo forem outra vez concedidos, os bancos não vão poder fazer o que quiserem com eles. "Os bancos usaram este dinheiro para comprar obrigações de tesouro, muito foi para a economia. Se fizermos novos empréstimos, temos de garantir que o dinheiro vai para a economia, não podem ser usados como uma formação de capital subsidiada para os bancos", afirmou.
Para Portugal, esta intenção do BCE pode ter várias e significativas consequências. Por um lado, pode contribuir para que o acesso ao crédito por parte das famílias e as empresas se torne mais fácil, é esse o objectivo do BCE. Mas por outro, se os bancos portugueses deixarem de poder usar o dinheiro que obtém nos empréstimos de longo prazo do BCE para comprar dívida pública, o Estado português pode sentir dificuldades acrescidas para obter financiamento no mercado.
Em Portugal, os bancos residentes têm desempenhado, durante a crise soberana, um papel muito importante nas tentativas de acesso do Estado aos mercados da dívida pública. No passado mês de Setembro, de acordo com dados publicados pelo Banco de Portugal, os residentes (na sua quase totalidade bancos) passaram a ser os detentores da maioria dos títulos de tesouro (BT e OT) emitidos por Portugal.
Mario Draghi não deu na conferência de imprensa pormenores sobre a forma como essa limitação no uso dos empréstimos de longo prazo (LTRO) pode ser operacionalizada, nem deu sequer uma garantia de a concessão de novos empréstimos poder ser o próximo passo a dar pelo BCE.
Alguns analistas esperavam que o presidente do BCE desse nesta ocasião novos sinais sobre quais as medidas de carácter extraordinário que o BCE está a preparar para dar um maior estímulo à economia. Durante as últimas semanas, a redução da taxa de depósito para valores negativos e o lançamento de um novo empréstimo de longo prazo aos bancos foram as possibilidades mais faladas nos mercados.
Contudo, o presidente do BCE garantiu que, na reunião desta quinta-feira, não foi identificada nenhuma medida específica. "Estamos bastante bem preparados para actuar em vários sentidos se considerarmos que tal for necessário, mas não há uma medida única em que nos estejamos a concentrar", disse.
Em relação a taxas de juro de depósito negativas (o que significaria que os bancos passariam a pagar para depositar o seu dinheiro no BCE), o líder da autoridade monetária disse que a questão " foi discutida, mas muito brevemente".
Portugal mais perto dos mercados
Questionado sobre o que previa para Portugal no final do programa da troika, agendado para daqui a seis meses, Mario Draghi afirmou que "a expectativa de regresso [de Portugal] ao financiamento nos mercados melhorou claramente", salientando que "o progresso na execução do programa foi muito significativo" e destacando o esforço "incrível" feitos pelo Governo e pela população.
No entanto, Mario Draghi voltou a deixar avisos. "As fragilidades estruturais em Portugal eram muito sérias", disse, defendendo, por isso, que uma "implementação forte do programa é essencial e deve continuar a ser feita".
Convidado por Draghi para dar a sua opinião sobre Portugal, Vítor Constâncio, também presente na conferência de imprensa, destacou a correcção do saldo da balança com o exterior através de "um ajustamento muito doloroso, mas que foi feito".
Inflação longe do objectivo
Na última reunião do ano, o BCE, para além de não ter avançado para medidas adicionais de estímulo à economia, decidiu também manter as suas taxas de juro inalteradas.
Em relação ao corte das taxas de juro de Novembro, que alguns dos membros do BCE defendiam que devia ter sido feito só este mês, Mario Draghi disse que os dados conhecidos nas últimas semanas "vieram provar que a decisão de descer a taxa de financiamento foi completamente justificada", mas que agora a hipótese de um novo corte não chegou sequer a ser colocada.
Esta contenção, que foi defendida nas últimas semanas pelo presidente do Bundesbank (o membro do conselho de governadores que mostra estar mais céptico em relação a uma política expansionista do BCE) acontece apesar de as novas previsões do banco para a inflação na zona euro, publicadas também esta quinta-feira, mostrarem que o período de inflação baixa de que Draghi tem falado significa que, até 2015, a variação dos preços estará longe da meta que faz parte do mandato do BCE.
De facto, o banco antecipa agora que, depois de uma inflação de 1,4% em 2013, este indicador cairá para 1,1% em 2014 e ficará em 1,3% em 2015. Com estas previsões, o BCE mostra aos mercados, com números concretos, que a expectativa de inflação e taxas de juro baixas deve durar pelo menos mais dois anos.
Na conferência de imprensa que se seguiu à decisão do Conselho de Governadores tomada esta quinta-feira, Mario Draghi desiludiu quem estava à espera, depois da surpresa do corte das taxas de juro de 0,5% para 0,25% em Novembro, de mais medidas por parte do BCE para combater a ameaça de um processo deflacionista e a persistência de um ritmo de concessão de crédito muito lento. E até garantiu - provavelmente a falar para a desconfiada opinião pública alemã - que se tem de "ser cuidadoso a usar a palavra estímulo", porque "não há crescimento e equidade que saiam de mais dívida".
Em contraponto, contudo, o presidente do BCE repetiu a promessa de que o banco central está pronto para actuar caso seja preciso.
O jornalista viajou a convite do BCE
- Notícia substituída às 18h40