Quem dá mais no leilão da Ucrânia, a UE ou a Rússia?

O Presidente Ianukovitch vai à cimeira de Vílnius, onde se formaliza a Parceria Oriental da União Europeia, para dizer que prefere Moscovo. Os líderes europeus não desistem de o convencer.

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Manifestantes em Kiev com cartaz de Iulia Timoshenko, presa e condenada a sete anos de cadeia GENYA SAVILOV/REUTERS

Os líderes europeus passaram o dia em reuniões sucessivas para decidir como lidar com Viktor Ianukovitch. O Presidente está na cimeira da Parceria Oriental – uma iniciativa que pretende dotar a Europa de uma vizinhança de Estados amigos e bem governados a leste – ainda que na semana passada a Ucrânia tenha anunciado que afinal não vai assinar o acordo que facilita as trocas comerciais com a União Europeia. Quer trazer a Rússia para a mesa de negociações com Bruxelas e agasta-se com a insistência da UE na libertação da sua rival política Iulia Timochenko, condenada a sete anos de prisão por abuso de poder enquanto era primeira-ministra: “Por acaso a UE é algum tribunal?”

A prioridade, diz Kiev, é reparar as relações económicas com Moscovo, que gere a sua própria aliança aduaneira, na qual participam o Cazaquistão e a Bielorrússia, e para a qual aliciou também a Arménia, outro país que a UE queria trazer para a Parceria Oriental. Os líderes europeus não se cansam de dizer que “as portas continuam abertas” para a Ucrânia.

A própria Timochenko, que entrou em greve de fome para apoiar os manifestantes que têm protestado em Kiev contra o abandono do acordo comercial com a UE, apelou na quinta-feira aos líderes europeus que se esqueçam dela, se isso fizer com que Ianukovitch mude de ideias. “Se sob a pressão das manifestações Ianukovitch decidir no último momento assinar o acordo, (…) peço-vos que assinem sexta-feira sem hesitar e sem condições, incluindo na minha própria libertação. Hoje não é apenas preciso libertar os presos políticos. É preciso libertar a Ucrânia.”

Apenas um rebuçado
Ianukovitch foi a Vílnius, mas enviou antes setas bem envenenadas, acusando a UE de fazer uma oferta “humilhante” por não adiantar ajudas económicas para fazer as reformas necessárias para poder participar nesta maior integração comercial com a União Europeia. Os 600 milhões de euros prometidos no acordo são apenas “um rebuçado embrulhado num papel bonito", afirmou. Para que o país conseguisse ter os padrões de qualidade necessários para entrar no pacto de comércio com o bloco dos 28, a Ucrânia precisaria de uma ajuda de 20 mil milhões de euros anuais, um oitavo do seu produto interno bruto, disse.

A situação económica ucraniana é grave: o Ministério das Finanças diz que no ano que vem tem de pagar mais de 8 mil milhões de dólares (quase 6 mil milhões de euros), dos quais 3700 milhões ao Fundo Monetário Internacional relativos a um empréstimo anterior, segundo a Reuters. E todos os meses tem de pagar 1000 milhões de dólares à Rússia em gás natural. Mas o Presidente e o Governo recusam-se obstinadamente a fazer as reformas que lhes poderiam abrir as portas da Europa – desejadas pelos manifestantes que tomaram as ruas do centro de Kiev em protesto contra o abandono da parceria.

“Quando uma pessoa está gravemente doente, precisa de cirurgia. Sofre-se um bocado, mas fica-se melhor”, comentou à Reuters Iuri Krivosheev, 53 anos, proprietário da empresa de camionagem Magnetik, que faz transportes internacionais. “A nossa economia precisa de cirurgia, mas têm medo”, disse sobre o Governo. Se o país se virar para a Rússia em vez de para a União Europeia, a vida de Krivosheev vai andar para trás. “Pensava que se avançássemos para as regras de negócio e as condições europeias, não teria de continuar a conduzir camiões com 15 e 20 anos. Mas assim não temos esperança de melhorias. As coisas vão ficar ainda piores.”

Ianukovitch diz que se trata apenas de “uma pausa” nas relações com a UE. Não quer queimar pontes com Bruxelas, porque não tem uma relação segura com Moscovo. Apesar de ser considerado pró-russo, o Presidente ucraniano não tem uma boa relação com Vladimir Putin, que, segundo a revista The Economist, desconfia dele e o trata com desprezo.

À espera de eleições
O que Putin poderá ter oferecido a Ianukovitch para o afastar da parceria europeia não se sabe. Mas poderá ter passado por uma diminuição nos preços do gás – que a Ucrânia paga a um valor exorbitante, mais caro que qualquer outro país, 295 euros cada mil metros cúbicos – e talvez a garantia que não apoiará outro candidato à presidência nas eleições da próxima Primavera, diz ainda a Economist.

A verdadeira prioridade de Ianukovitch, dizem os analistas, é garantir a sua reeleição. Por isso faz este jogo. Se assinar o acordo comercial com a UE, será pressionado para acabar com os subsídios estatais ao preço do gás, o que destruirá as suas hipóteses ante os eleitores – cerca de 60% dos ucranianos estão a favor do acordo com a União Europeia. Ou então a Rússia poderá fechar a torneira do fornecimento de gás. Mas também não quer entrar imediatamente para a comunidade aduaneira de Putin e virar definitivamente as costas à UE, o maior mercado para os produtos ucranianos (a Rússia é o segundo).

Indecisa sobre para que lado se virar, sem vontade de fazer as reformas que a poderiam levar a tornar-se uma verdadeira democracia ocidental, a Ucrânia é o prémio mais desejado nesta disputa entre uma União Europeia demasiado segura das vantagens que oferece e uma Rússia que nunca aceitou a realidade de uma Ucrânia independente. Se “humilhação” é uma palavra que se tem ouvido nos corredores de Bruxelas, como relata o jornal francês Le Monde, para Moscovo esta é uma vitória diplomática, e simbólica: a capital ucraniana é “a cidade eterna” para os ortodoxos russos, e a base da frota russa do Mediterrâneo fica em território ucraniano, em Sebastopol.
 
 
 
 
 

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