Desempregado anuncia: “O Nelson irá ao supermercado e levará arroz sem pagar”

Depois de escrever a Cavaco Silva, explicando que não ia pagar impostos, e de andar de autocarro sem bilhete, avança para mais uma acção que diz que serve para “mostrar que há miséria e fome”

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Imagem enviada por Nelson Arraiolos às redacções, para anunciar a sua nova acção DR

Depois dessa comunicação a Cavaco Silva, Nelson informou também a ministra da Finanças e, por fim, o chefe da sua repartição de Finanças, no Bombarral, onde vive. Escreveu: “É contra a minha vontade, e ao abrigo do Artigo 21.º (Direito de Resistência), que declaro que suspendo o pagamento ao Estado de qualquer imposto ou taxa. Declaro também que manterei esta minha decisão enquanto não tiver um rendimento que me permita sobreviver de forma digna e autónoma.” Não recebeu, até hoje, resposta de ninguém.

E continuou: no blogue http://naopossopagarimpostos.blogspot.pt/ apelou à desobediência dos desempregados, exortando-os a fazer como ele e, já este mês, anunciou que andaria de transportes públicos sem pagar. E assim fez, com jornalistas a acompanhá-lo: entrou num autocarro da carreira 794 em Chelas, Lisboa, “uma das zonas do país com mais altas taxas de desemprego”, justificou na altura. Não pagou bilhete. “Sem rendimentos, não há pagamentos.” Não apareceu nenhum fiscal durante a viagem.

Agora, volta a comunicar mais uma acção. E, desta vez, vai mais longe. Depois de se recusar a pagar impostos e de andar de autocarro sem bilhete, “o Nelson irá ao supermercado e levará arroz sem pagar”. É o que está escrito na última entrada do blogue naopossopagarimpostos. “Agradece-se a todos as senhoras e senhores jornalistas, órgãos de comunicação e cidadãos em geral a divulgação e apoio a este acto de resistência involuntária”, remata o e-mail enviado às redacções.

Ao telefone, este homem de 41 anos, desempregado há dois anos e meio, reconhece, em declarações ao PÚBLICO, que este tipo de acção lhe pode trazer problemas. Sim, talvez estejam à espera dele quando chegar ao supermercado de Lisboa, talvez não chegue a sair com o arroz, mas o que conta é o gesto, continua: “Isto é um acto simbólico para mostrar que há miséria e fome. E que o Estado não protege os seus cidadãos, que há crianças a ir para a escola sem comer porque os pais estão desempregados e não têm dinheiro para lhes comprar um pacote de leite.”

Argumenta ainda: é o Estado que obriga as pessoas a cometer ilegalidades. E dá o seu exemplo: “Estou desempregado há mais de dois anos. Não consigo arranjar trabalho. Envio currículos. Dizem-me que tenho as habilitações e a experiência, mas que não tenho idade. Tenho 41 anos. Sofro de uma doença degenerativa [doença de Charcot Marie-Tooth], estou proibido pelos médicos de levantar pesos superiores a cinco quilos. Mas quero trabalhar e contribuir. Não consigo. São os meus pais, reformados, que me estão a ajudar, porque não tenho qualquer rendimento.” A somar a tudo isto tem uma dívida à Segurança Social de quase 2000 euros – em tempos, teve um café, mas o negócio fechou e Nelson não fechou logo a actividade. “Não tenho meios financeiros, nem bens para pagar esta dívida”, alega. Uma dívida que já fez com que os pais fossem alvo de penhoras, diz.

“A crise atira cada vez mais gente para uma ilegalidade envergonhada”, continua. Na quarta-feira, diz que quer chamar a atenção para isso.

Quanto ao não-pagamento de impostos, entende que até está enquadrado no Direito de Resistência, previsto no artigo 21 da Constituição (e que diz que “todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”). Um artigo que já tinha sido citado por outro desempregado, em Abril, que também se recusou a pagar impostos. Alcides Santos, um gestor de sistemas informáticos que estava no desemprego havia dois anos, entregou na Provedoria da Justiça uma carta onde explicava o seguinte: “Existe uma inegável hierarquia de valores que exige que eu faça o necessário para garantir a sobrevivência física dos meus filhos, dos meus pais e de mim próprio (o que se aplica a qualquer pessoa que se encontre na minha situação), a qual estará sempre acima das obrigações fiscais e, mais do que isso, encontra-se salvaguardada pelo artigo 21 da Constituição.”

Nelson Arraiolos diz algo semelhante na carta que enviou às Finanças: “Existe uma inegável hierarquia de valores que exige que eu faça o necessário para garantir a minha sobrevivência física (...). Enquanto não tiver um trabalho digno, direito consagrado na Constituição da República Portuguesa que cabe ao Estado cumprir e fazer cumprir, não pago nenhum imposto ou taxa que me seja exigido.”

O que pode ser abrangido pelo Direito de Resistência estipulado na Constituição é algo que, como é norma em matérias legais, divide os juristas. Em Março, quando o caso de Alcides Santos foi tornado público, os constitucionalistas ouvidos pelo PÚBLICO dividiram-se. Tiago Duarte, por exemplo, defendeu que o Direito de Resistência se aplica apenas a “situações-limite”, o que não era o caso, sustentou.

Em Maio, o grupo Resistir por Um Resistir por Todos entregou na Provedoria de Justiça uma queixa: defendia que o Estado não pode exigir a desempregados que paguem impostos e citavam, precisamente, o artigo 21.

A provedoria arquivou a queixa, dizendo que não iria pedir à Autoridade Tributária e Aduaneira que não cobrasse impostos, até porque a Constituição já diz quais as situações em que estes não podem ser exigidos – e o desemprego não é mencionado.

Alcides arranjou trabalho poucos dias depois de apresentar a sua queixa. Nelson continua à espera.
 
 

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