Com “Redemption” Miguel Gomes volta a um dos temas predilectos da sua obra, perfeitamente exposto em “Tabu”: o paraíso perdido, e decorrente nostalgia. Aliás, o primeiro dos episódios de “Redemption” (que tem ao todo quatro “partes”), ambientado numa África ainda portuguesa e colonial, opera uma ligação bastante directa com esse filme e com o seu universo temático. A diferença, aqui, é que nenhum paraíso é recriado, nenhum paraíso é objecto de encenação para a câmara, e toda a evocação é feita a partir da montagem de imagens de arquivo, provenham elas de obras de ficção ou de filmes documentais. A ficção nasce dos textos que, em “off”, acompanham cada uma das quatro partes, e que através dum registo epistolar ou confessional atribuem a cada segmento um sentido, o sentido da “redenção” para que o título do filme aponta.
De certa maneira, e como em “Tabu”, a orgânica do filme continua a pedir dois tempos, porque se tudo se volta para o passado o ponto de vista é contemporâneo, e esta contemporaneidade é que é decisiva. Contemporaneidade, quanto mais não seja, do espectador, que conhece muito bem as quatro figuras reais, oriundas de outros tantos países europeus, que protagonizam os quatro episódios do filme (não diremos quem elas são, visto que “Redemption” apenas lhes dá um nome no genérico final, parecendo querer jogar com a possibilidade de o espectador conservar alguma incerteza quanto à identidade de cada voz). Para todas elas o filme inventa, com maior ou menor margem de liberdade ficcional, um momento determinante das suas vidas pessoais. Sendo elas figuras conhecidas pela sua vida pública, e pela sua relação com lugares de poder, o jogo de “Redemption” é duplo: por um lado, sugerir o exercício da vida pública como “redenção” da vida pessoal; por outro, oferecer ao espectador a possiblidade de “redimir” a vida pública destas personagens a partir da ficção das suas vidas pessoais.
Se há, até por todas as ressonâncias políticas, considerável dose de ironia em “Redemption”, o sarcasmo está totalmente ausente. Com aquela verve que conhecemos de outros filmes de Gomes (o Gian Luca narrador em “off” de “Tabu” podia ser um parente destas personagens) todas as quatro figuras são recompostas e/ou pressupostas a partir da sua nostalgia, mais doce ou mais amarga, sem nunca se passar pela caricatura. Mais do que uma sessão de psicanálise, é verdadeiramente uma “redenção” que o filme, generoso, lhes oferece, na articulação entre a confessionalidade dos textos (ditos em quatro línguas diferentes) e a natureza fragmentada das imagens, dispostas como se correspondessem a “flashes” de um sonho desordenado. Qualidades - o onirismo, o “transe” - que se encontram na perfeição no último episódio, quando a insistência na música (Wagner) e em imagens abstractas (colhidas em filmes científicos), induzem já não apenas uma forma de melancolia nostálgica mas como que um estado “alternativo” de consciência, onde a nostalgia se tornou uma espécie de hipnose.