Autoridades de saúde dos EUA mandam empresa de genómica pessoal suspender vendas dos seus testes
A agência federal norte-americana que regula os medicamentos enviou um aviso à 23andMe por esta empresa não ter ainda demonstrado a inocuidade e eficácia dos seus testes genéticos de grande consumo.
Numa carta enviada na passada sexta-feira à 23andMe, a FDA (Food and Drug Administration, a agência federal norte-americana que regula o uso dos medicamentos) exige que a aquela empresa cesse imediatamente a comercialização do seu kits, mostrando-se “preocupada” pelo facto de os testes “não serem adequadamente compreendidos pelos doentes ou de os resultados dos testes estarem errados”. Uma das preocupações da FDA, lê-se ainda na carta, prende-se com a detecção de mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, que predispõem altamente para cancros hereditários da mama e do ovário.
“A FDA parece realmente irritada”, diz John Conley, especialista de direito da Universidade de Carolina do Norte (EUA), citado pelo site da revista Nature. “Acham que estão a ser enganados.”
A 23andMe, fundada em 2006 por Anne Wojcicki, mulher de Sergey Brin, co-fundador da Google, é líder no mercado da genómica de grande consumo. Os kits da 23andMe já foram utilizados, no mundo inteiro, por milhares de clientes à procura de informação sobre a sua disposição genética para diversas doenças e a sua ancestralidade (entre os quais se inclui a autora deste artigo). Mas até aqui, a própria empresa os considerava essencialmente informativos e “destinados à investigação e ao ensino”, como especifica no seu site, num disclaimer que também avisa para o facto de o kit não estar aprovado pela FDA.
No ano passado, a 23andMe decidiu apresentar o seu kit de teste genético à FDA para o transformar em teste de diagnóstico médico. Mas, depois de ter submetido uma primeira leva de documentação, a empresa acabou por não fornecer qualquer validação do teste – e, segundo a FDA, há vários meses que a empresa deixou de responder às suas solicitações. A FDA deu agora 15 dias à 23andMe para especificar como vai responder aos seus pedidos – e, se nada acontecer no prazo indicado, diz na carta que irá considerar diversas medidas legais contra a empresa, que incluem “acção inibitória, apreensão de material e penalizações monetárias”.
Pelo seu lado, a 23andMe emitiu um comunicado na segunda-feira, declarando ter recebido a carta e reconhecendo “não ter respondido devidamente às expectativas da FDA em termos de calendário e de comunicação” no que respeita à submissão do pedido de homologação do seu kit. “A nossa relação com a FDA é extremamente importante para nós e estamos empenhados em interagir plenamente com ela para responder às suas preocupações”, lê-se ainda no comunicado.
Há quem considere que os testes da 23andMe não deveriam ser oferecidos directamente às pessoas porque a sua interpretação é complexa, o resultado sujeita a erros, que os riscos que quantificam dizem por vezes respeito a doenças que não têm cura (como a Alzheimer) e que o impacto psicológico de conhecer certos riscos de doença pode ser grande e desnecessário. A 23andMe sempre advogou, quanto a ela, a favor de pôr nas mãos das pessoas a sua informação genética individual para a poderem partilhar com o seu médico e, em certos casos, tomar decisões médicas mais acertadas.
Misha Angrist, da Universidade Duke (EUA), também citado pela Nature, acha que a FDA está de facto a exagerar a dimensão dos riscos colocados pelo kit da 23andMe – e que, ao contrário do que sugere esta agência na sua carta, não é por uma mulher descobrir que tem uma mutação num gene do cancro que irá logo fazer a remoção total das mamas. “Parece um pouco gratuito querer matar um mosquito com um maço carpinteiro”, acrescenta este analista.