Produtos DOP: Não há no mundo outros iguais
Ajudam os territórios a que pertencem, criam emprego, são trunfos para o turismo. Mas valorizamo-los pouco e conhecemo-los mal
Foi em 1995 que Carla Alves se mudou para Vinhais, em Trás-os-Montes. Chegou com uma missão: recuperar uma raça de porcos que estava praticamente extinta, o porco bísaro. “Sabia que havia apenas duas raças autóctones de porcos em Portugal, o bísaro e o alentejano, mas a década de 90 foi a das grandes suiniculturas intensivas e essas raças estavam a desaparecer”, conta esta engenheira zootécnica cheia de energia.
Pôs-se então à procura, tentando localizar alguns animais. “Não havia produtores. Começo a correr o país à procura do porco bísaro que ainda pudesse existir e encontro alguns exemplares nas aldeias mais escondidas de Vinhais, de Bragança. Quando perguntava aos donos por que é que ainda tinham aquele porco, diziam-me que o guardavam porque era bom, e era o que eles comiam.” E assim, a partir desses poucos animais, começou um trabalho de recuperação da raça, que hoje já tem mais de 3000 porcas reprodutoras e que foi certificada como DOP (Denominação de Origem Protegida).
Enquanto Carla nos conta a sua história, ouvem-se atrás de nós os grunhidos de uns enormes e rosados porcos de raça bísara, com as características manchas negras e orelhas caídas por cima dos olhos. Estamos no Parque Biológico de Vinhais, situado no Parque Natural de Montesinho, onde existem exemplares das várias raças autóctones de Portugal. Em frente ao local dos porcos bísaros, estão javalis, do outro lado vacas, ao fundo veados.
A ideia de criar um parque biológico surgiu na sequência do sucesso do trabalho com o porco bísaro. Mas para o entender é preciso saber outra coisa sobre Vinhais: esta é a capital do fumeiro e aqui realiza-se uma concorrida Feira do Fumeiro. Foi, aliás, a preocupação com a qualidade dos produtos que se vendiam na feira que levou a câmara municipal a apoiar o projecto do porco bísaro. Carla Alves explica: “A feira, que existe desde 1981, tinha cada vez mais gente, vendia-se o salpicão a dez contos o quilo, mas ninguém controlava a qualidade do produto e a câmara estava preocupada.”
No tal ano de 1995, Carla instaurou um controlo de qualidade sobre os produtos de fumeiro, com uma prova do melhor salpicão e uma análise sensorial que permitia ter um retrato da qualidade do produto que estava na feira. Conclusão? “Havia um problema claro, que era o uso de matéria-prima de qualidade inferior. Não se pode fazer um produto de qualidade, tradicional, que até pode ser fumado à lareira, temperado como se fazia há 100 anos, se a matéria-prima de base não for de qualidade. É estar a fazer omoletes sem ovos.”
A solução era voltar a fazer o fumeiro tradicional com porco bísaro, como no passado. Mas com meia dúzia de porcos espalhados por aldeias longínquas era difícil. Começou então o esforço de convencer os produtores a deixarem outras raças — as estrangeiras — mais rentáveis e a voltar ao bísaro. “Não foi fácil. Pensei que a única maneira de dar uma mais-valia às pessoas para criarem o bísaro era pedir a protecção comunitária para os produtos de fumeiro.” Com a luz verde da União Europeia, nasceram assim o Fumeiro de Vinhais IGP (Indicação Geográfica Protegida) e o Porco Bísaro DOP.
A partir daí, um produtor que queira vender os seus produtos sob a designação Fumeiro de Vinhais fica obrigado a cumprir uma série de regras, entre as quais a da utilização de porco da raça bísara. Uma recente boa notícia para os produtores que arriscaram apostar nestes animais é a de que um dos produtos mais conhecidos de Trás-os-Montes, a alheira de Mirandela, que tinha apenas protegida uma receita, sem área geográfica delimitada, vai passar a ser uma IGP e para isso tem de usar produtos locais, desde o azeite transmontano ao porco bísaro. Mais uma opção de escoamento para uma carne que nos últimos anos fez duas conquistas importantes: a classificação DOP e a ligação a produtos com sucesso comercial.
Esta é uma história de sucesso de um DOP. Mas nem sempre é assim. Os produtos DOP ou IGP têm um discreto selo azul e amarelo que os identifica como tal. Não é fácil reparar no selo e há muitos consumidores que nem sequer conhecem a palavra DOP ou não sabem o que significa. E, no entanto, estes produtos são especiais, pertencem a um território que lhes dá características únicas, são portugueses e, mais do que isso, são alentejanos, transmontanos, minhotos, açorianos, ajudam a manter gente a trabalhar nessas regiões, transformam um território num sabor.
Não há outros iguais, portanto — mas não os valorizamos o suficiente. Em muitos casos, estamos a perdê-los. Quando desaparecem, é muito difícil recuperá-los novamente. Tal como existem línguas que se perdem para sempre, quando se perde um produto destes perde-se um sabor, uma ligação a um território, um pedaço de cultura. Pode fazer-se alguma coisa para evitar isso? Pode — é o que dizem as pessoas que conhecem bem esta realidade.
A ideia de fazer uma reportagem sobre produtos DOP começou com um convite da empresa Terrius para uma iniciativa chamada Sabores do Alto Alentejo na sua Cozinha. Rita Beltrão Martins, da Terrius, explicou que não se tratava de promover apenas os produtos com maior visibilidade que esta empresa produz: os cogumelos. A operação envolvia vários produtos do Alto Alentejo, tanto DOP como IGP, que resolveram juntar forças.
Chegámos a Évora para ver que receitas é que António Nobre, o chef do Hotel M’AR De AR, criou juntamente com outros chefs convidados. As mesas encheram-se de pratos nos quais os cozinheiros usavam os cogumelos desidratados ou a farinha de boletos da Terrius, mas também a Carnealentejana DOP, o Queijo de Nisa DOP, o Mestiço de Tolosa IGP, a Castanha de Marvão DOP, a Maçã de Portalegre Bravo de Esmolfe IGP, o Borrego do Nordeste Alentejano IGP ou os Enchidos de Portalegre IGP.
A esta acção no Alentejo juntaram-se outras, no Algarve, em Lisboa e no Porto, que, no final, darão origem a um livro de receitas que ensinam a usar, de forma criativa, estes produtos. É um esforço, mas um esforço que os produtores acham que vale a pena fazer porque ajuda à promoção, algo que, queixam-se todos, o Estado português não faz.
A história da Terrius é muito mais recente que a do porco bísaro, mas representa também uma esperança para os produtos protegidos. Criada há dois anos, a empresa de Rita Beltrão Martins e António Martelo decidiu apostar numa zona que, dizem, tem características únicas e representa “uma das maiores reservas de biodiversidade da Península Ibérica”, a serra de São Mamede. Para além de se dedicar à produção de cogumelos saprófitas em troncos de madeira, a Terrius quer recuperar dois frutos da região, que foram classificados como IGP e que estavam em risco de se perder por falta de produção: a Castanha de Marvão e a Maçã Bravo de Esmolfe.
Mas não é fácil, explica António Martelo. “As grandes superfícies não querem a castanha DOP, que é melhor, mais saborosa e chega ao ponto de ser mais barata, mas é mais pequena. Estamos a colocá-la mais barata que a francesa, que é uma híbrida, mas é maior, mais vistosa e que não tem nada que ver com a nossa tradição de castanha. O problema é que as pessoas pagam não pela qualidade mas pelo calibre, pelo que é mais bonito na prateleira.”
Lançaram-se neste projecto por convicção e teimosia. Saímos de Portalegre para subir à serra onde se vêem grandes castanheiros, carregados de castanhas. “A castanha de Marvão sempre foi muito descurada, nunca ninguém ligou muito a este microclima da serra. O processo esteve praticamente abandonado, quase em vias de desaparecer por falta de produção.” E, no entanto, garante António, “a castanha pode vir a ser muito importante para a região. Nós compramo-la aos produtores, assumimos e custo da certificação e valorizamo-la [a Terrius também vende a castanha desidratada ou em farinha, tal como a maçã, o que permite diversos tipos de utilizações durante todo o ano e não apenas na época destes frutos]. Somos persistentes, vamos aos sítios, a feiras nacionais e internacionais, pressionamos, tentamos vender um produto que é diferente”.
Rita acredita que esta valorização lhes permitirá chegar a outros mercados. “A castanha tem uma área de produção mundial muito reduzida face à procura que existe e nós vemos a certificação como uma vantagem para chegar a mercados que valorizam o produto, desde o Norte da Europa ao Brasil, passando pelo Médio Oriente. Os chineses não tiveram sorte na produção de castanha e, quando o mundo prova a castanha dos produtores tradicionais e a chinesa, não há qualquer comparação.”
A maçã exige ainda mais trabalho. “Só existe Maçã Bravo de Esmolfe em Penalva do Castelo e na serra de São Mamede, mas a daqui é pouca e tem um preço menos competitivo.” Mas se em relação a estes dois produtos há sinais que permitem algum optimismo, existe um outro produto da serra de São Mamede que a empresa tentou trabalhar mas que parece não ter futuro: a Cereja de São Julião IGP.
A Cereja de São Julião é o exemplo de um produto que, apesar de protegido, parece condenado. António é taxativo: “A cereja vai acabar. É óptima para transformação, doces ou licores por exemplo, mas é muito pequena e não há ninguém que a compre. Em termos de intensidade de sabor, é excelente, mas vai desaparecer.” Maria João Valentim, da Agricert, empresa que faz a certificação de produtos na região, reforça a ideia: “As pessoas preferem a cereja carnuda e os agricultores vão substituindo a de São Julião por outras variedades exóticas, que têm maior produtividade e rendimento. Estes produtos deviam estar a ser vendidos a nível local, mas as pessoas não têm outros sítios para os colocar a não ser as grandes superfícies. Mesmo as lojas gourmet têm uma absorção limitada deste tipo de produtos.”
Em risco (embora muito menor) está o Borrego do Nordeste Alentejano. Maria Vacas de Carvalho, da Natur-al Carnes, Agrupamento de Produtores Pecuários do Norte-Alentejo (que tem também a marca Carnealentejana) explica porquê. “Tem a concorrência dos borregos importados dos países da Commonwealth a preços de saldo e não tem hipóteses. Os produtores começam a produzir cada vez menos.” Até porque há uma distorção. “Quando vemos a indicação ‘borrego nacional’, quer dizer que os animais foram abatidos em Portugal. Basta ser abatido cá para se dizer que é nacional. É uma concorrência desleal.”
A isto soma-se (ainda) mais um obstáculo: “Podíamos pensar na exportação, mas o caderno de especificações diz que a carne não pode ser congelada, tem de ser fresca, portanto tem um prazo de consumo muito pequeno”, explica.
É assim com muitos produtos que ao longo dos últimos anos foram sendo certificados em Portugal. “Há dez, quinze anos houve o grande boom das DOP, ligado a uma vontade de proteger, de fazer melhor, de aumentar o número de produtores”, explica Rita Beltrão Martins. “Quinze anos depois temos DOP abandonadas porque não são exequíveis [deixaram de se produzir, por exemplo, produtos como a Azeitona Negrinha de Freixo ou o Melão da Vilariça], outras que têm muito sucesso e algumas que estão no meio.”
Esta conversa acontece durante um almoço no restaurante Carnealentejana, em Lisboa, marca que é precisamente um dos exemplos de uma DOP de sucesso. Para além de o restaurante servir como montra desta carne de bovinos que se alimentam no campo, movimentando-se à vontade e que estão inscritos no livro genealógico da raça bovina alentejana, funciona também como loja onde se pode comprar tanto a carne como vinhos, azeites e outros produtos dos associados. Aqui se percebe que ter o símbolo DOP não é suficiente e que é preciso uma estratégia (e alguma capacidade económica) para posicionar estes produtos no mercado — outro exemplo é o do Presunto de Barrancos, da Casa do Porco Preto, que tem um espaço destacado no supermercado do El Corte Inglês, onde funcionários dão a provar o produto e explicam por que se trata de uma DOP.
Outra possibilidade seria o próprio Estado assumir que a defesa dos DOP e IGP é do interesse nacional, porque não se trata apenas de garantir a manutenção de um determinado processo de fabrico (que, se não gerasse riqueza poderia simplesmente ser preservado num museu) mas sim de manter actividades que criem emprego e permitam às pessoas continuar no território. Esta é, afinal, uma das principais funções das DOP.
Subimos novamente até Trás-os-Montes para ouvir outra história, a do Cabrito e Queijo de Cabra Transmontano. “Antigamente não havia queijarias, eram os produtores que fabricavam o queijo nas suas casas. Quando nos anos 90 se criaram as DOP, a cooperativa Leicras formou uma queijaria própria, que recolhe leite de cerca de 70 cooperantes”, conta Inácio Neto, técnico de queijo. “A grande vantagem é que esta organização faz chegar o dinheiro aos produtores. Se não fosse assim, não havia queijarias.”
A certificação destes dois produtos fez travar o processo que poderia levar à decadência do cabrito e do queijo. “Há 12 anos tínhamos em Trás-os-Montes 13 mil animais de raça serrana no livro genealógico. Neste momento, continuamos a ter 13 mil. Não houve diminuição.” Mas também não há um rejuvenescimento dos produtores. “A nova vaga dos agricultores ainda não chegou aqui”, lamenta Inácio Neto.
Uma das grandes preocupações de António Branco, presidente da Câmara de Mirandela e presidente da Associação de Olivicultores de Trás-os-Montes, é precisamente a desertificação do interior, mas, diz, “a agricultura é o único sector em que há alguma regeneração geracional, com jovens que pegam nas explorações numa perspectiva diferente, de multidiversidade”. Dá como exemplo o caso de três jovens que se lançaram na agricultura a produzir vinho, azeite, azeitona de mesa, amêndoa, fumeiro, “uma produção diversificada que lhes dá alguma sustentabilidade”.
Isto é importante, sublinha, porque a estabilidade produtiva é uma das dificuldades em Trás-os-Montes, onde, para além da castanha, que é um “produto emergente” e em crescimento, os sectores mais prósperos são o vinho e o azeite. O vinho é, aliás, por todo o país, o produto com denominação de origem com maior sucesso — a uma distância muito considerável de todos os outros.
“Isso deve-se a um conjunto de factores, o primeiro dos quais é a maturidade. Portugal tem uma Denominação de Origem (DO) que data de 1756 [a do Vinho do Porto, no Douro] e várias restantes (Vinhos Verdes, Dão, Colares) que datam de 1908. É um modelo de organização cuja implantação está bem definida”, afirma Manuel Pinheiro, presidente da Andovi. Além disso, “a produção de uva, vinho e a respectiva exportação tem e sempre teve um grande relevo económico” e só no caso dos Vinhos Verdes, por exemplo, “há 22 mil viticultores a produzir com DO”.
Ninguém é obrigado a produzir vinho com denominação de origem, claro, mas “a maior parte opta por isso, sobretudo nas regiões em que as DO são mais fortes, uma vez que essa classificação agrega valor ao produto, valor esse que o consumidor reconhece no preço final”. O resultado é que um vinho com DO atinge um preço mais elevado tanto em Portugal como no mercado externo.
Mas o que significa exactamente ter uma DO (sendo que, no caso dos vinhos, a denominação não obriga a que se usem exclusivamente castas nacionais, sobretudo nas regiões mais jovens, que admitem castas vindas de França, como a Cabernet Sauvignon)? Significa que nenhum vinho pode ser vendido como sendo “do Alentejo”, “do Douro” ou “do Dão”, por exemplo, se não for certificado (e esta regra aplica-se também às divisões nas prateleiras dos supermercados).
Manuel Pinheiro não tem dúvidas de que no caso do vinho as DO são uma enorme vantagem. “No mercado nacional, os vinhos certificados representam mais de 50%”, embora “o cenário de crise económica tenha feito aumentar a quota de mercado dos vinhos de mesa simples, sem DO”.
É, contudo, no mercado internacional que o valor DO é maior. “Portugal não tem marcas mundiais. E, porém, tem DO que são marcas mundiais”, diz o responsável da Andovi. “O Vinho do Porto e o Vinho Verde são marcas reconhecidas mundialmente. Outros vinhos, como os do Alentejo, Dão e Tejo começam a sê-lo. Por exemplo, o valor da marca Alentejo no Brasil é impressionante. Estão, pois, as DO a funcionar como cartão-de-visita dos vinhos nacionais cujas marcas seriam demasiado pequenas para poderem ganhar o reconhecimento do mercado.”
O azeite quer agora fazer o mesmo caminho que os vinhos fizeram. “O azeite vem ganhando cada vez mais notoriedade, em geral associado às diferentes regiões, mas os vinhos vão muito à frente, porque foram os primeiros que começar a apelar à identidade de uma região. Nos azeites, essa identidade está a crescer, mas devíamos andar muito mais rápido”, diz Francisco Pavão, da Comissão Vitivinícola e da Associação de Olivicultores de Trás-os-Montes.
Se, defende Pavão, o trabalho a fazer com os vinhos hoje em Trás-os-Montes passa por potenciar as castas tradicionais; com o azeite, é o próprio caderno de especificações para a certificação que estabelece que só podem ser usadas as variedades autóctones de azeitona. “O papel das regiões é esse: não só valorizar o vinho em si, ou o azeite, mas todo o património genético e a diversidade que temos aqui. Numa região como Trás-os-Montes, em que as parcelas de terreno são muito pequenas, temos de entrar no mercado pela diferença.”
Em poucos anos, já se vêem resultados do trabalho feito com os azeites, afirma por seu lado António Branco, o autarca de Mirandela. “Primeiro, tivemos de pôr os lagares a funcionar em condições. Antigamente, as pessoas deixavam as azeitonas oxidar e todos esses defeitos passavam para o azeite. Mas o mais importante, e difícil, foi termos conseguido antecipar a campanha da apanha. A tradição aqui era apanhar a azeitona depois da primeira geada, mas isso prejudicava a qualidade. Agora, começa-se a apanhar logo no início de Novembro e se eu entregar a azeitona mais cedo o lagar ou a cooperativa paga-me mais.”
O grande problema continua a ser o desconhecimento dos consumidores. “Os portugueses não têm conhecimento para comprar o azeite pela qualidade. Não sabem a diferença entre azeite, azeite virgem ou azeite virgem extra. Não sabem, por exemplo, que se um produto é apresentado como ‘azeite’ ele é apenas óleo refinado de azeite com um bocadinho de azeite.” Por isso, a aposta que Trás-os-Montes está a fazer é no aumento de qualidade, mas a pensar sobretudo na exportação — concursos internacionais, prémios, reconhecimento, posicionamento em nichos de mercado que valorizam o produto.
E em Portugal? Em Portugal, é tudo mais difícil. “Estivemos 15 anos à frente de outros países quando começámos a proteger imensos produtos como DOP e IGP”, declara Maria Vacas de Carvalho da Natur-al Carnes. “Mas as pessoas não sabiam o que era. Não fomos capazes de as educar, de lhes explicar que com a marca da certificação conseguimos dizer quais são exactamente as ovelhas que deram o leite para fazer aquele queijo. Quando apareceu a agricultura biológica, as pessoas ficaram logo a saber o que era, mas o símbolo DOP ninguém reconhecia.”
Rita Beltrão Martins tem a experiência de estar nas feiras ou em acções de promoção dos produtos da Terrius e ver as reacções dos compradores. “‘É biológico, é natural, é certificado?’ — as pessoas fazem perguntas tão genéricas que vemos que não percebem nada. Há falta de massa crítica por parte do consumidor.” É preciso explicar, dar a provar, informar.
“No nosso país, há um grande desconhecimento do que é uma DOP ou IGP”, concorda Carla Alves, em Vinhais. “Aí, acho que tem falhado o papel do Estado. Fazem-se campanhas de sensibilização para isto e para aquilo e nunca se fez uma campanha para explicar o que são os DOP. É uma pena que não se faça o trabalho de valorizar estes produtos, que devia começar logo pela formação de quem os vende nos super e nos hipermercados.”
António Martelo vai ainda mais longe: “Devia legislar-se para que as grandes superfícies tivessem de vender uma percentagem de produtos DOP.” Mas o que se passa, acrescenta Maria Vacas de Carvalho, é que “mesmo nas campanhas para promover a produção nacional que os hipermercados fazem quem paga são os produtores. O elo mais fraco é sempre a produção. Até para entrar com os produtos nas lojas nós temos de pagar”.
O melhor exemplo, sublinha António, é o do Intermarché que, com uma política de autonomia de cada loja e de compras descentralizadas, tem uma relação mais próxima com os produtores locais e vende os produtos de cada região aos consumidores dessa região.
Se, dizem os envolvidos, outras cadeias de distribuição seguissem a mesma política, se os restaurantes locais usassem produtos DOP e se o Estado se empenhasse na promoção de alimentos que ajudam a desenvolver territórios, a combater o desemprego e a desertificação do interior, contribuem para a auto-estima regional, e podem até ser um trunfo para o turismo, talvez fosse possível ainda salvar produtos como o Borrego do Nordeste Alentejano ou até a Cereja de São Julião. É que, se um dia estes desaparecerem, podem surgir outros, mas nunca serão iguais. E o mundo terá perdido mais um sabor.