As águias-de-Bonelli voltaram à serra da Estrela. Como é que sabemos isso?

Plataforma GeObserver reúne online informações sobre a serra, que antes estavam dispersas ou eram mesmo desconhecidas. A identificação de espécies é apenas uma das várias funções do projecto.

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Pensava-se que a águia-de-bonelli, que em Portugal está em risco de extinção, já nem existia na serra da Estrela © Sylvain Cordier/Hemis/Corbis

A descoberta foi possível através do GeObserver, um sistema de informação geográfica que reúne numa plataforma online informações recolhidas por quem visita o Parque Natural da Serra da Estrela – sobre fauna, flora, clima, condições das estradas em dias de neve e dos trilhos pedestres – e que antes estavam dispersas, ou eram mesmo desconhecidas.

Qualquer pessoa pode “alimentar” a plataforma, registando as suas observações no site, com fotografias e pormenores sobre o local e a espécie encontrada. “A maioria dos registos é feita no Verão, cerca de 80 por mês, e no Inverno a participação desce”, explica Paulo Silva, fundador e coordenador do projecto, que arrancou em Agosto de 2012. Os dados são depois analisados e validados por uma equipa de mais de 20 técnicos, de biólogos a meteorologistas, especialistas em Geografia ou Informática, entre outros, que colaboram voluntariamente com o GeObserver.

Foi assim que se descobriram as águias-de-Bonelli. “Começámos a receber alguns registos, com fotos. O sistema cruzou os registos e detectou a zona onde a espécie poderia estar. Visitámos o local e detectámos o casal, com um ninho nas escarpas. Só não conseguimos ver se já tinha crias”, conta Paulo Silva.

Mapa da biodiversidade
O GeObserver nasceu no ano passado pelas mãos deste engenheiro de software de 37 anos, natural de Manteigas, distrito da Guarda. Paulo Silva integra a associação Amigos da Serra da Estrela (ASE), que planeava criar um sistema para reunir dados recolhidos pela própria associação – a segunda organização não-governamental de ambiente mais antiga do país, criada em 1982. "Tive a ideia de fazer uma coisa diferente e com o apoio do Instituto Politécnico de Setúbal, onde estudava, conseguimos criar esta plataforma", explica Paulo Silva.

Desde então o projecto não tem parado. Através dos dados submetidos na plataforma foi possível começar já a desenhar o mapa da biodiversidade do parque, mediante a identificação de animais e respectivas rotas migratórias, plantas e fungos. “O sistema vai desenhando as manchas nos locais onde as espécies são avistadas”, diz o coordenador. Dentro de três anos o mapa deve estar concluído, embora sempre sujeito a actualizações.

A equipa criou também, em colaboração com o centro de estudos climáticos da Universidade Federal do Acre (Amazonas, no Brasil), um algoritmo que indica o risco de incêndio florestal. Em vias de conclusão está ainda um mapa sobre a produção de oxigénio no parque, fundamental para calcular o risco de propagação do fogo e a produção de biomassa. “Vamos tentar cooperar com equipas de bombeiros e protecção civil da região, para poderem utilizar esta ferramenta na época de incêndios”, adianta o coordenador.

Aos visitantes é dada também a oportunidade de denunciarem atentados ambientais – como a existência de lixeiras, o abate ilegal de árvores ou mesmo um animal ferido. Quem circula na serra, a pé ou de carro, tem informação actualizada sobre a previsão de queda de neve, as estradas interrompidas e o estado dos trilhos pedestres.

O projecto – que foi um dos finalistas da última edição dos Green Project Awards – não tem fins lucrativos. Funciona com base em apoios e parcerias com a ASE, o Centro de Interpretação Ambiental da Serra da Estrela, o Centro de Ecologia, Recuperação e Vigilância de Animais Selvagens, o portal Naturdata, a Quercus e o Instituto Politécnico de Setúbal. O próximo passo é replicar o sistema em Portugal e nos países da CPLP.

Conhecer a serra de tenda às costas
Para divulgar a biodiversidade da serra da Estrela e incentivar a sua protecção, o GeObserver, as associações Amigos da Serra da Estrela e Aldeia vão organizar o I Acampamento de História Natural, de 7 a 11 de Abril de 2014. Os estudantes dos ensinos secundário e superior são os principais destinatários deste acampamento, mas qualquer pessoa pode inscrever-se. "Os participantes vão ser divididos em três grupos – fauna, flora e geografia – e cada um terá um orientador", explica Paulo Silva, um dos coordenadores do GeObserver.

"Em Abril, as temperaturas favorecem a observação de espécies de fauna e flora", explica. Confirmada está já a presença de alguns especialistas, como Alexandre Nieuwendam, do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, e Fernando Romão, naturalista, fotógrafo de natureza e especialista em lepidópteros (insectos como borboletas ou traças).

A organização lançou uma campanha de crowdfunding [financiamento colectivo] para angariar 1500 euros, necessários para comprar material informático, de fotografia e cartografia para apoio na geo-referenciação durante o acampamento.

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