“O debate é ideológico”

Para o constitucionalista Gomes Canotilho, há um falso debate em torno do papel do Tribunal Constitucional.

Foto
“Não se discutem os verdadeiros problemas”, diz Canotilho Sérgio Azenha

Para este constitucionalista, “não está em causa um dogma para controlar a Constituição” em Portugal e “a fiscalização Constitucional é sempre uma fiscalização política”. Um exemplo foi o que se passou com o TC alemão “ameaçado por Merkel se impedisse pacto de Estabilidade, numa tentativa de pressão política”.

O argumento que o catedrático devolve aos que consideram que “o TC tem problemas que derivam do facto de a Constituição incluir direitos fundamentais políticos, sociais e culturais”, é que precisam de perceber que “esses direitos estão não só na Constituição portuguesa, eles estão e estavam antes nas convenções das Nações Unidas e em tratados internacionais e europeus a que a Constituição obedece”.

Por seu lado, António Vitorino lembra que “não há um problema nem uma questão com a Constituição portuguesa”. Os princípios da confiança, da igualdade, da proporcionalidade “são princípios constitucionais gerais, podem ser considerados subjectivos - na verdade, são-no -, mas a lei é subjectiva”.

Se “no estudo do Direito se parte do princípio que uma coisa são os direitos fundamentais e outra os direitos económicos e sociais e culturais”, então, defende Canotilho deve ter-se em conta que, por exemplo “a Igreja Católica vem dizer que são unos, ou seja, que hoje em dia não faz sentido dizer-se que o direito ao primeiro suspiro é universal e que o direito ao primeiro Cerelac não é”.

Assumindo que o debate sobre o TC e o seu papel é um debate ideológico, Canotilho defende que “na Constituição portuguesa há uma incomensurabilidade entre o que é o discurso jurídico e o económico” tendo ao centro o debate sobre direitos. “Há quem diga que o Estado deve estar está contra os direitos, mas, como explicou Tony Judt, ao longo do século XX, houve uma banalização do bem através do Estado. Hoje fala-se na privatização da distribuição da água, dantes um copo de água não se negava.”

O “debate ideológico profundo que está nesta reforma do Estado” passa por “saber até onde pode desaparecer o Estado Social”, o que implica debater “ o perfil constitucional” e “o papel do TC”. Assim, explica Canotilho: “A questão de saber se são ou não 40 horas de trabalho é um pormenor deste debate ideológico. As pessoas sonegam que há um debate ideológico em curso. O problema do TC é um problema menor, o debate é ideológico.”

No mesmo sentido vai Moura Ramos ao afirmar que, se “a realidade é que o Estado gasta de mais e não pode continuar a funcionar assim”, ele deve ser reformado por acordo político, em vez de se estigmatizar o TC. “Quando se percebeu que o modelo de reformas não podia perdurar, deviam ter-se introduzido alterações no modelo”, diz Moura Ramos, usando a Segurança Social como exemplo. “O que foi feito durante algum tempo foi o contrário, as pessoas foram induzidas a vir mais cedo para a reforma”, quando a esperança de vida é maior.

A ideia de que o problema não está no TC mas no sistema é reforçada. “Este sistema de pensões tem de ser alterada. Agora o problema é como fazer essa alteração sem pôr em causa a ideia constitucional da proporcionalidade. A questão das reformas, por exemplo, não carece de revisão constitucional, é só resolver o ajustamento no modelo do sistema de pensões.”

Igualmente Cardoso da Costa adverte para que este debate é político e ideológico e que é fácil para o poder usar o TC e a Constituição como uma espécie de bode expiatório. O antigo presidente do TC avança mesmo com um exemplo clássico que demonstra como é antiga a politização do debate sobre as decisões do órgão que fiscaliza o cumprimento da Constituição: “O Supremo dos EUA foi acusado pelo Presidente Roosevelt de estar a impedir a sua política. Roosevelt lançava a New Deal e viu leis vetadas. Roosevelt promovia os gastos públicos próprios da política keynesiana, na legislação que se destinava a que a federação tivesse actividade e iniciativa de liderar investimento. Isso foi considerado que interferia com a independência dos Estados federados face ao Governo federal. Diz-se que Roosevelt pensou em alterar a Constituição para alterar o perfil e estatuto do Supremo Tribunal.”

Sugerir correcção
Comentar