Um iluminado jornalista da "BBC", de seu nome Nigel Cassidy, veio ao Porto fazer uma reportagem, para descrever a cidade como a "Detroit da Europa" ou a "mini-Havana". Veio declarar uma falência que já adivinhava no seu escritório; no seu computador.
Não lhe interessou perceber que as Fontainhas são uma tradição secular e preferiu chamá-las de “equivalente medieval a uma lavandaria”, inconcebível numa cidade em plena Europa. Não lhe interessou olhar a Casa da Música ou fazer referência à renovada movida da Baixa do Porto. Não lhe importou falar dos cafés que pegam na história, que ele intitula de medieval, para transformarem-se em revivalismo puro e em conforto moderno.
Não se interessou em tratar a cidade do Porto como uma cidade que já foi capital Europeia da Cultura; que um mercado antigo foi renovado e tornado num espaço de modernidade; que a cidade vive de jovens empreendedores e artistas; que tem uma universidade de relevo no panorama nacional e internacional, etc. Enfim, não lhe pareceu importante.
Não o podemos condenar. Suponho que o editor dele, nos escritórios faustosos da "BBC", lhe tenha pedido que retratasse a crise que afecta Portugal. E ela afecta, oh! se afecta. Mas não nos define, ou não deveria definir. O Ronaldo foi achincalhado pelo Blatter e surgiram nas páginas do Facebook as demonstrações fervorosas de contestação, a raiva de um povo. E agora? Eu também critiquei o Blatter e sou consumidor de futebol, apreciador do Ronaldo, mas paralelamente a isso tenho orgulho em muitas das nossas cidades - tenho noção da história que por cá temos plantada e da que, mesmo em dificuldades, vamos criando. Falta-nos somente peder a vergonha. No futebol, sabemos que somos grandes por existir um Mourinho e um Ronaldo, e isso dá-nos liberdade. Eles já ganharam. No restante, calamo-nos. Porém, esta entrevista, tal como as tentativas de vídeos que fizemos destinadas à Alemanha e Finlândia poderiam ser o mote para a revolta.
Não vamos partir contentores e incendiar carros, vamos, meramente, transpor a paixão do futebol para o orgulho nacional. A crise existe, mas ela não é a nossa pele, não é o nosso rosto, é, sim, a nossa dificuldade. Mas a nossa dificuldade também é o aguço do nosso engenho. E esse, o engenho, existe de sobra, não duvido. Falta é coragem de mostrá-lo. Um dia após a divulgação do vídeo do Blatter, encontrei mil publicações destratá-lo no meu "feed" de notícias. E, agora, depois de definirem o Porto desta forma, quantas vi? Eu digo-vos, duas. Somente duas. Não somos só futebol. Somos é envergonhados no restante. E sem motivo, que é o que mais custa.
Não é preciso gritar, basta argumentar. E argumentando todos juntos, com a facilidade de argumentos que o Porto nos dá, não devia ser esta a imagem a ficar. Se eles queriam mostrar a nossa pobreza económica, temos uma enorme oportunidade de mostrar a enorme pobreza cultural de quem fez a reportagem. Basta imaginar que o Porto é o Ronaldo e o Nigel Cassidy o Blatter. Vamos lá!