Maduro declara guerra aos "parasitas capitalistas" e deixa comerciantes desesperados
Presidente Nicolás Maduro quer impor limite de 30% sobre os lucros das empresas e recebe mandato para legislar durante um ano.
Os seus inimigos estão no interior do país e vivem entre a comunidade de empresários e comerciantes. Para Maduro, são "parasitas e bárbaros capitalistas", que exploram o povo com "a ganância dos lucros exorbitantes". Mais de 100 destes "burgueses", disse o Presidente venezuelano nestaa quinta-feira, "estão atrás das grades neste momento". São comerciantes acusados pelas autoridades de venderem produtos a preços muito acima daquilo a que o Governo considera justo.
Um deles é Hakim Riffai, irmão do dono da loja de electrodomésticos Los 777, na cidade de El Tigre, no Norte do país. Ao ser levado das instalações por elementos da Guardia Nacional Bolivariana, Riffai deixou um desabafo: "Prefiro que as pessoas entrem e que nos saqueiem. Fica-nos mais barato. Por amor de Deus, isto é uma falta de respeito, é o nosso dinheiro. Não me deixem sem nada!"
Também o jornal El Tiempo, que reproduziu a queixa em primeira mão, ficou na mira do Presidente. Durante uma visita ao estado de Caracobo, no Norte do país, Maduro acusou o diário de cumplicidade no incitamento à violência. "Vejam o que disse este empresário, que incitou à violência, ao saque. O diário El Tiempo cometeu um delito e espero que os organismos do Estado actuem de acordo com a lei. Este senhor cobrou mais de 1000% por produto", acusou o Presidente da Venezuela. O El Tiempo tem na sua administração o antigo diplomata Adolfo Taylhardat – um opositor de Chávez e de Maduro que descreve a actual Venezuela como uma colónia de Cuba.
Os argumentos de Hakim Riffai não sensibilizaram os fiscais e a polícia, cujos funcionários mantiveram as portas da loja Los 777 encerradas durante quatro dias para uma investigação aos preços praticados. "Porquê agora? Isto nunca tinha acontecido. Comprei [a última encomenda] a 60.000 bolívares. Não posso vendê-la a seis", disse Hakim Riffai.
A "ocupação imediata" de centenas de lojas no país, ordenada por Nicolás Maduro na sexta-feira da semana passada, é defendida pelo Governo como uma revolta contra a "guerra económica" de que diz estar a ser alvo.
Devido à fragilidade da economia do país, os empresários compram dólares ao Governo para poderem importar os produtos, à taxa de câmbio de 6,3 bolívares fortes (a moeda em circulação na Venezuela desde 2008) por cada dólar. O problema, segundo escreve o El País, é que os importadores acabam por ter de recorrer ao mercado negro de câmbio para satisfazer todas as suas necessidades, chegando a pagar dez vezes mais em relação ao valor fixado pelo Governo.
O presidente da Câmara de Comércio de Anaco, no estado de Anzoátegui (onde está situada a cidade de El Tigre), pede ao Governo de Nicolás Maduro que deixe de penalizar os comerciantes e que vire a sua fúria contra quem lhes vende os produtos a preços mais elevados. "O Governo e a Cadivi [Comissão de Administração de Divisas] sabem a quem entregaram os dólares e esses importadores que recebem as divisas são quem revende os produtos ao comerciante com significativos ajustes de preço. São eles que devem ser fiscalizados, e não o comércio a retalho, que está neste momento a sofrer toda a pressão e a agressividade das pessoas", criticou Luis Salazar, citado pelo El Tiempo.
Maduro com poderes alargados durante um ano
Seja por culpa da ganância dos "parasitas capitalistas", como defende o Governo, seja por causa do falhanço do chavismo, como defende a oposição, a guerra que Nicolas Maduro declarou à "guerra contra a economia da Venezuela" parece estar apenas a dar os primeiros passos.
Na quinta-feira, a Assembleia Nacional aprovou a Lei Habilitante, que vai permitir a Maduro substituir-se aos legisladores durante o próximo ano. Uma das medidas já anunciadas pelo Presidente após a entrada em vigor da lei é a limitação dos lucros das empresas a um máximo de 30%.
Na abertura do debate, o presidente da Comissão de Finanças e Desenvolvimento Económico do Parlamento, Ricardo Sanguino, do partido de Nicolás Maduro, alegou "motivos políticos, sociais e económicos" para transferir o poder legislativo para o Presidente – um mecanismo a que Hugo Chávez recorreu por quatro vezes durante os 14 anos da sua presidência.
O deputado afirmou que o país deve "avançar para uma nova etapa na revolução, que passa por impulsionar a produção interna". O tom das várias intervenções da bancada do Partido Socialista Unido da Venezuela foi sempre o mesmo: é preciso fazer alguma coisa para apagar dos relatórios do Banco da Venezuela os 54% de inflação anual, que têm levado a uma escassez de bens essenciais nas prateleiras dos supermercados.
Mas no caminho da Venezuela para o abismo económico e social, os sinais de perigo são diferentes, consoante a análise de quem o percorre. Para o deputado independente Eduardo Gómez Sigala, a aprovação da Lei Habilitante é uma forma de "usar a corrupção como desculpa para matar a democracia e o Estado de Direito".
Alguns analistas consideram que a ocupação de lojas e a redução de preços à força está intimamente ligada às eleições autárquicas de 8 de Dezembro e que é uma medida populista para travar o declínio de popularidade de Nicolás Maduro. Mas as consequências são imprevisíveis.
"É uma estratégia de alto risco", disse ao The Washington Post David Smilde, consultor do think tank Washington Office on Latin America e antigo professor na Universidad Central de Venezuela e na Universidade Católica Andrés Bello. "Se nesta semana são as lojas de produtos electrónicos e depois o sector automóvel, e se isto continuar durante as quatros semanas antes das eleições, a economia pode sofrer danos muito graves."
Para o líder da oposição, Henrique Capriles, "é óbvio que o Governo quer perturbar as eleições de 8 de Dezembro". Numa conferência de imprensa, o candidato derrotado por Nicolás Maduro nas eleições presidenciais de Abril deixou um aviso: "Qual é a intenção? É que tenhamos medo. Mas cuidado, a paciência tem limites. O problema não são estas filas para comprar frigoríficos. São as filas formadas por donas de casa desde as três da madrugada, à espera da abertura dos mercados populares para poderem comprar leite."