Tribunal considera que não há culpados no naufrágio do Prestige

Juiz galego absolveu os três homens sentados no banco dos réus por qualquer responsabilidade no naufrágio. Apenas o capitão do navio foi condenado por desobediência, mas a pena foi suspensa.

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O acidente ocorreu a 13 de Novembro de 2002 ao largo da Galiza AFP/Douane Francaise
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Voluntários limpam a praia de Nemina nos dias que se seguiram ao naufrágio AFP/Christophe Simon
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O grego Apostolos Mangouras, capitão do Prestige, numa das sessões do julgamento AFP/Miguel Riopa
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Uma ave coberta de petróleo junto à reserva natural das ilhas Cies Reuters/Desmond Boylan
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Soldados espanhóis caminham rumo ao areal de Camarinas numa foto tirada a 16 de Janeiro de 2003 Reuters/Miguel Vidal
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O juiz espanhol Juan Luis Pia durante a leitura da sentença AFP/Miguel Riopa
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Membros da Plataforma Nunca Mais protestam à porta do tribunal AFP/Miguel Riopa
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O naufrágio do Prestige foi a maior catástrofe ambiental de sempre em Espanha AFP
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Um pescador manuseia bidões de petróleo retirado da água Reuters/Miguel Vidal
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Voluntários em operações de limpeza junto à costa na vila Muxia, na Galiza AFP/Miguel Riopa
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Golfinho morto na praia de Nemina a 1 de Dezembro de 2002 Reuters/Miguel Vidal
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Barcos de papel numa manifestação de jovens galegos junto à embaixada de Espanha em Lisboa, em Fevereiro de 2003 Miguel Madeira
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Um ano depois da catástrofe, as operações de limpeza prosseguiam nas praias AFP/Fernando Llano

O juiz determinou que "não há responsabilidade penal" que possa ser imputada pelo acidente, atribuindo as causas a uma “falha estrutural” cuja origem ninguém conseguiu apurar.

A sentença, que o jornal El País transmitiu em directo, começou a ser lida às 11h (10h em Portugal) pelo magistrado Juan Luis Pia na sala do Tribunal Superior de Justiça da Galiza, no dia em que se cumprem precisamente 11 anos sobre o acidente que causou a maior catástrofe ambiental de sempre em Espanha.

No banco dos réus estavam sentados o capitão do petroleiro (o grego Apostolos Mangouras), o chefe de máquinas (Nikolaos Argyropoulos) e o ex-director-geral da Marinha Mercante (José Luis López-Sors González). O primeiro-oficial, Ireneo Maroto, de nacionalidade filipina, também foi acusado mas nunca compareceu em julgamento, continuando em parte incerta. Os quatro estavam acusados de crimes contra os recursos naturais e o ambiente, danos e desobediência, cujas penas variam entre os quatro e os 12 anos de prisão.

O tribunal decidiu condenar apenas o capitão, de 78 anos, a uma pena de nove meses de prisão, suspensa por igual período (uma vez que já cumpriu quase três meses de prisão preventiva entre Novembro de 2002 e Fevereiro de 2003), pelo crime de "desobediência grave", por ter demorado três horas a obedecer às instruções das autoridades para movimentar o navio para alto mar. "Um atraso inaceitável", disse o magistrado.

A sentença considerou que a polémica decisão de afastar o navio da costa em vez de o levar para um porto de abrigo, tomada pelo ex-director-geral da Marinha Mercante (o único funcionário público envolvido no processo), foi "discutível mas parcialmente eficaz", pelo que não merece condenação. O magistrado sublinhou as diferenças de opinião entre os vários peritos consultados, sobre qual seria a decisão mais adequada perante aquela situação de emergência.

O facto de o barco ter estado seis dias às voltas em frente à costa galega antes de se afundar não pode ser considerado consequência de uma "decisão imprudente", sustentou o tribunal, considerando que "a possibilidade de aproximar o navio da costa teria muitos riscos para a zona". Recordou ainda que também o Governo português rejeitou na altura a entrada do navio em águas nacionais — a decisão partiu de Paulo Portas, então ministro da Defesa.

O tribunal determinou ainda que a responsabilidade civil pelos danos causados por este desastre ecológico deverá ser assumida pela seguradora do navio, a London P&I Club.

A procuradoria espanhola pedia, por responsabilidade civil, 4328 milhões de euros de indemnizações pelos danos causados pela maré negra provocada pelo naufrágio, mas não pedia prisão efectiva para os réus, todos com mais de 70 anos.

"Falha estrutural"
Durante a leitura da sentença, que demorou mais de uma hora, o juiz reconheceu os graves danos ambientais causados pelo naufrágio do petroleiro liberiano com pavilhão das Baamas. Foram derramadas 63 mil toneladas de fuelóleo, recordou, afectando 2900 quilómetros de costa desde Portugal até França, deixando marcas em 1177 praias. Durante meses, milhares de voluntários recolheram os resíduos e limparam o combustível que chegava à costa — só nos três meses seguintes foram recolhidas em Portugal 439 aves marinhas atingidas pela maré negra, das quais 186 ainda vivas, que foram enviadas para tratamento. Estima-se que tenham morrido no total entre 115 mil e 230 mil aves marinhas.

O navio estava carregado com 77 mil toneladas de fuelóleo e foi apanhado em plena tempestade ao largo da Galiza, perto do Cabo Finisterra, depois de ter partido da Letónia com destino a Gibraltar. A tripulação diz que ouviu uma explosão perto das 14h, mas nada ficou provado.O barco esteve seis dias à deriva no oceano Atlântico, apesar das várias tentativas para o rebocar. “Desde que o barco se partiu até que se afundou passaram 115 horas”, lembrou o magistrado. Na sequência de um rombo de 35 metros no casco, por onde saiu a maior parte da carga, o petroleiro partiu-se em dois e afundou-se a 250 quilómetros da costa da Galiza. Os 24 tripulantes foram todos retirados 4h30 depois de ter sido dado o alerta, às 14h15 de 13 de Novembro.

No entanto, "ninguém sabe exactamente a causa do que aconteceu", afirmou o juiz presidente, considerando que o acidente terá sido motivado pela "deficiente manutenção e conservação" do navio, que tinha então 26 anos. Mas concluiu que é "difícil de acreditar" que o capitão e o chefe de máquinas tivessem consciência do estado do barco "uma vez que estariam a pôr em perigo as suas próprias vidas".

Para o tribunal, "a única coisa que se pode provar é que houve uma falha estrutural no tabique", que poderá ter sido provocada por "trabalhos de reparação defeituosos num estaleiro chinês". "A falta de conservação não podia ser conhecida pelos réus”, afirmou Juan Luis Pia. Acrescentou que "a condição do navio era precária e essa avaliação só pode ser feita por técnicos ", e mesmo estes não são unânimes sobre se os defeitos no casco eram ou não "muito evidentes".

O juiz sublinhou que as inspecções feitas ao petroleiro (a última revisão tinha sido em Maio de 2002) foram insuficientes, atribuindo essa responsabilidade à empresa norte-americana American Bureau of Shipping (ABS) por ter passado um certificado de navegabilidade ao Prestige. No texto da sentença, disponibilizado pelo El País, lê-se que "o Prestige estava dotado de todos os certificados e documentos exigidos para a navegação nas águas onde circulava. É verdade que algumas empresas não os aceitavam (a Repsol e a BP, por exemplo) e que tinham limitado o acesso do navio a alguns países e portos, mas isso não o impedia de navegar", admitiu o tribunal.

Ainda assim, Juan Luis Pia condenou a empresa proprietária do navio, a Mare Shiping, Inc. Liberia. Esta "sabia que as condições do navio não eram adequadas mas ocultou esse facto", referiu.

Greenpeace diz que faltam pessoas no banco dos réus
O julgamento, o maior de sempre realizado na Galiza, começou a 16 de Outubro de 2012 no recinto ExpoCoruña. Foi concluído para sentença a 10 de Julho deste ano, depois de mais de 400 horas e 89 sessões, nas quais foram ouvidas 204 testemunhas e peritos.

Onze anos após o naufrágio não há rasto da catástrofe nas praias da Galiza mas as associações ambientalistas temem que ninguém tenha retirado lições desta "maré-negra", criticando também a ausência no banco dos réus dos responsáveis políticos naquela época. Um deles era o actual chefe do governo espanhol, Mariano Rajoy, então líder do gabinete de crise encarregado do caso, que sempre recusou falar em "maré negra". Chegou a referir-se ao derrame como "uns fiozinhos de plasticina".

Numa nota divulgada nesta quarta-feira antes da sentença, a Greenpeace lamentou que o julgamento não tenha incluído todos os culpados. Por “não incluir os verdadeiros culpados políticos, nem as empresas envolvidas, é uma decisão que não impedirá que outro Prestige ocorra”, sublinhou, sustentando que a decisão de afastar o navio da costa foi um dos maiores erros cometidos e que a informação dada pelas autoridades à população foi “escassa, insuficiente e, em algumas ocasiões, falsa”.

A organização ecologista condena também “a impunidade” de Espanha perante os atentados ambientais. O veredicto do tribunal superior de justiça da Galiza “concede à Espanha impunidade face aos atentados ambientais. Dá carta branca à indústria petrolífera para pôr em perigo o ambiente e os cidadãos”, consideram os ambientalistas no comunicado citado pela AFP.
 

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