Agora ainda não há viagens no tempo, mas no futuro haverá (acho que acabei de plagiar 2 ou 3 filmes e 7 ou 8 livros). Tendo isto em mente, se hoje eu conseguir deixar uma mensagem, em determinado local e assegurando que a erosão do tempo nunca a fará desaparecer, posso pedir a alguém do futuro que me contacte. A pessoa do futuro que encontrar a mensagem, poderá viajar no tempo e comunicar comigo. Foi exactamente isso que fiz.
Iniciei assim uma amizade no futuro e aproveitei para fazer algumas perguntas, às quais o meu novo amigo respondeu com a sabedoria típica de cidadão de 2086. Fiquei assim a saber muito do que vai mudar, mas não vos conto para não estragar a surpresa.
Como não podia deixar de ser, perguntei-lhe como estaria Portugal em 2086. Essa foi a pergunta que mais o afectou, o seu semblante alterou-se, os seus olhos revestiram-se de um tenebroso pesar, e medindo cuidadosamente as palavras limitou-se a dizer: “Em 2086…Portugal já não existe.”
Fiquei surpreso, muito surpreso, mas prontifiquei-me a procurar justificações: “Foi esta crise, foi isto que acabou connosco, não foi?”. Ele, com uma calma quase paternal perante a ignorância de um cidadão do mundo antigo, respondeu: “não”, e contou-me a história do fim de Portugal, que aqui reproduzo para todos vós.
No ano de 2022, surgiu uma fenda no solo português. Rapidamente, especialistas nacionais e internacionais prontificaram-se a intervir, para salvar o país do perigo iminente que a fenda representava. Quando as altas entidades se reuniram para estudar a questão, por entre conversas técnicas dos presentes, houve um senhor que disse: “Isso trata-se num instante, eu passo lá com o meu cunhado, e num fim-de-semana resolvemos isso.” Os especialistas troçaram, mas este senhor tinha importantes contactos na secretaria de Estado das obras públicas, e como tal a obra foi-lhe adjudicada. Foi nesse fim-de-semana que Portugal acabou. Uma escavação (mal feita) originou uma infiltração, e em poucas horas Portugal inundou e submergiu no oceano. Confesso que esta história me parece pouco realista, mas quem sou eu para desmentir alguém do futuro?
Durante meses, mergulhadores contratados pelo FMI tentaram em vão encontrar os cofres do Estado, para recuperarem pelo menos uma parte da dívida, mas como por magia todo o dinheiro desaparecera.
Depois de submergir, o território que correspondia a Portugal tornou-se na piscina oceânica da Europa. De todo o lado vinham turistas para mergulhar naquela piscina gigante. Surgiram relatos que, ao domingo, se ouvia gritar “golo” nas profundezas do oceano. Contou-se, também, que algumas inglesas foram apalpadas por mãos vindas da água, enquanto nadavam. Nenhum dos rumores foi confirmado.
Algum tempo depois, a União Europeia decidiu (sob proposta da Alemanha) que o território português seria utilizado para construir um aeroporto flutuante. Meses após o início da construção, a obra (como por maldição) ficou eternamente embargada.
Portugal ficou então inundado, submerso e inexistente. Sem aeroporto e sem qualquer utilidade para a Europa (excepção feita a uns quantos mergulhos e umas tantas braçadas). Ficou mudo e vazio mas, segundo o meu amigo do futuro, foi crescendo entre os europeus um sentimento estranho. Começaram a recordar-se dos portugueses, a sentir a falta dos portugueses. Começaram por fim a desejar que aquela piscina gigante voltasse a ser o país que era. Em 2086, ninguém sabe explicar este sentimento, nem tão pouco sabem expressá-lo, porque ao que parece a palavra certa também se afundou no oceano…