Os rankings não nos permitem inferir se a escola trabalha bem ou mal
Investigadores Gil Nata e a Tiago Neves afirmam que os rankings apenas mostram a qualidade dos alunos que fazem os exames, não a dinâmica e mérito das escolas.
No vosso trabalho académico têm criticado a unidimensionalidade dos rankings baseados em exclusivo nas notas dos exames. Mas de há dois anos a esta parte o Ministério da Educação e Ciência (MEC) forneceu dados socioeconómicos. Está essa vossa objecção superada?
Gil Nata (GN) – Ainda não os analisámos de forma conveniente para estarmos aqui a dar resposta mais científica, mas são bem-vindos e são muito importantes, embora se possa dizer que são muito incompletos.
Tiago Neves (TN) – É evidente que é melhor haver mais variáveis em jogo. Dito isto, para fazermos o mesmo tipo de análise que já fizemos para os últimos dez, 12 anos, se calhar precisamos de duas coisas, pelo menos: uma, que possa haver mais um ou dois anos de trabalho, precisamos de ver os dados ao longo dos anos. Por outro lado, estes dados são incompletos: têm alguns buracos relativamente àquilo que apresentam e nem todas as coisas estão preenchidas para todas as escolas para todas as variáveis…
Por exemplo?
GN – Os dados de apoio social não estavam completos para todas as escolas. E eu até acrescentaria que, por exemplo, uma das questões sobre as quais nos temos debruçado é na divisão entre o público e o privado e a suposta inflação de notas. Ora, não há dados socioeconómicos para as privadas. Não temos como analisar neste diferencial o impacto do nível socioeconómico e familiar dos alunos dos privados por comparação aos das escolas públicas.
Por que é importante que as escolas privadas forneçam dados socioeconómicos?
GN – Assim poderíamos perceber de uma forma clara até que ponto o lugar de uma escola num ranking estava ou não dependente do input que tem de alunos. Ou seja, que alunos são estes e, no fundo, se o reflexo de um ranking não é só o reflexo dos alunos que uma escola tem.
TN – Se o sistema de ensino é o mesmo, aquilo que uns fazem, os outros também devem fazer e portanto se as escolas públicas cedem dados socioeconómicos, as escolas privadas também devem ceder.
Na questão da inflação das notas, em que notaram uma diferença positiva de 0,5 valores nas notas internas dos alunos das escolas privadas face aos das escolas públicas, não estão a correr o risco de terem uma visão unidimensional das privadas que tanto criticam nos rankings?
TN – É uma análise unidimensional porque o que está em jogo é uma questão unidimensional. Analisar a inflação de notas é um aspecto muito mais unidimensional do que analisar a qualidade das escolas. Não estamos a tecer considerações sobre fenómenos muito complexos como a qualidade das escolas, a qualidade da pedagogia... Estamos a focar-nos num objecto muito particular.
Essa diferença de notas pode querer dizer que o acompanhamento dos alunos nas escolas privadas é melhor do que nas escolas públicas?
GN – Essa é uma das explicações que se pode avançar. Agora acho que, em todo o caso, isso a ser verdade devia-se reflectir nas notas que esses alunos tiram nos exames nacionais. Aliás, eu acho que o assunto aqui é ao contrário: nós sabemos que estas escolas estão efectivamente a tentar preparar alunos para os exames nacionais e fazem-no de forma sistemática. O jogo é tanto assim que há alunos, os que costumam tirar notas menos boas, que são empurrados para a 2.ª fase, porque normalmente nessa os jornais não se preocupam em construir os rankings. Portanto, há alunos que são afastados para essa 2.ª fase porque, digamos assim, desse modo não prejudicam o score global da própria escola.
TN – Relativamente àquilo que nós chamamos a inflação de notas, o que nós temos é que as escolas públicas normais e as que são privadas com contrato de associação andam perto do zero. A inflação de notas ocorre nas escolas puramente privadas.
Devia ser o MEC a apresentar um ranking oficial?
TN – Eu preferia que todos os dados fossem disponibilizados em bruto para que toda e qualquer pessoa pudesse trabalhá-los. Não vamos depois pensar que é por ser uma coisa do Estado que é o oficial no sentido de ser neutro ou o melhor.
GN – A questão que nós temos de nos colocar é que tipo de informação é que queremos para fazer o quê com ela. A maioria esmagadora das pessoas interpreta os rankings como sendo a manifestação da qualidade de uma escola. Os dez primeiros têm uma publicidade fabulosa. Mas o que aquilo mostra é outra coisa: é que eles têm os alunos que tiraram as melhores notas nos exames nacionais. Ponto. Não se pode daí fazer qualquer inferência sobre se a escola está ou não a trabalhar muito bem. Eu só posso fazer essa inferência se souber o que lá entrou, qual é a matéria-prima com que eles trabalham, e perceber qual é o percurso que a escola conseguiu fazer com essa matéria-prima.
Mas essa percepção de qualidade associada aos rankings não é um incentivo para que as escolas se possam superar? Os rankings não trouxeram uma certa animação, uma certa dinâmica às escolas?
TN – Animação trouxe (risos). Aliás, se não fosse assim os jornais não fariam cadernos especiais sobre os rankings, porque nesse dia os jornais vendem mais… Mas pode servir para motivar e para desmotivar, para mobilizar e para desmobilizar. Pode servir para perverter alguns níveis de educação no sentido do seu afunilamento, para ensinar para um teste ou para um exame, o de treinar bem os alunos para uma tarefa…
GN – Trabalhar para os rankings, afastar os alunos que não se portam tão bem nos exames, seleccionar à partida os alunos porque podem prejudicar a imagem da escola…
Refere-se às escolas privadas?
GN – Às privadas sim, mas há também algumas públicas a fazer selecção pelo critério do melhor aluno, não do que precisa mais de ajuda. Seria essa a lógica: a melhor escola interessa-nos para os alunos que precisam dela e aqui há qualquer coisa de perverso em que a melhor escola é a que já tem os melhores alunos. Do ponto de vista da melhoria das escolas eu não sei se estes rankings são o melhor incentivo.
O Governo quer alargar os contratos de associação com escolas privadas, fala de escolas independentes e abriu as portas ao cheque-ensino. Num quadro com esta diversidade de agentes de educação, os rankings não se tornam mais importantes?
GN – Mais uma vez nós temos de perceber o que queremos fazer com os rankings. Estes permitiram-nos claramente indagar se há ou não algumas escolas, que não serão todas, a inflacionar notas…
TN – Não são todas, muito pelo contrário. A nossa investigação detecta que em média as privadas inflacionam mais, mas há privadas que até estão abaixo da média, num certo sentido até prejudicam os seus estudantes dando-lhes notas mais baixas do que as que conseguem nas notas finais.
GN – O volume de dados permitiu-nos perceber isto. A partir daqui, o que vamos fazer com esta informação? Que eu saiba ninguém tem feito nada. Agora ficamos com um mosaico mais complexo das escolas e queremos os rankings para quê? Para ver a qualidade das escolas? Eu acho que estes rankings não nos estão a servir para isso.
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Especial Rankings em http://www.publico.pt/ranking-das-escolas
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