EUA deixam de ter voto na Unesco
A retirada, devida ao reconhecimento da Palestina enquanto Estado membro, deverá implicar uma diminuição do soft power norte-americano pelo mundo, nomeadamente em países como o Iraque e o Afeganistão.
Segundo os estatutos da Unesco, qualquer país que falhe o pagamento das suas quotas por dois anos perde direito de voto nas assembleias-gerais. A Palestina foi aceite na organização como membro de pleno direito em 2011, o primeiro passo para a aprovação, um ano depois, pela ONU, da resolução que lhe conferiu o estatuto de Estado com direito à autodeterminação.
Esta última resolução, com 138 votos a favor – incluindo o de Portugal –, nove contra e 41 abstenções – incluindo a da Alemanha – foi internacionalmente lida como uma pesada derrota tanto para Israel como para o seu grande aliado histórico. Mas os EUA tinham deixado de pagar as suas quotas na Unesco um ano antes, obedecendo às leis aprovadas nos anos 1990 pelo seu próprio Congresso que impedem o país de financiar qualquer agência da ONU em que a Palestina seja aceite como membro de pleno direito, explica o diário The New York Times (NYT), que deu a notícia.
“Lamento profundamente”, disse ao mesmo jornal Irina Bokova, directora-geral da Unesco. “Isto não é uma punição em nome da Unesco pelo não pagamento. São apenas as nossas regras. Perdemos o nosso maior contribuidor; isto tem um peso em todos os nossos programas.”
Não é uma simples questão financeira: segundo Bokova, que está à frente da organização desde 2009, a voz dos EUA em temas como a liberdade de expressão e a educação feminina será especialmente sentida.Segundo o NYT, Bukova viajou até Washington em 2011, logo após a primeira falha de pagamento, para tentar pôr em marcha uma mudança legislativa que permitisse aos EUA manterem-se na Unesco. No ano passado, a administração Obama terá mesmo tentado caminhar nessa direcção, mas sem sucesso, acrescenta o jornal, que refere ainda que esta é provavelmente a primeira vez que os EUA se retiram voluntariamente de uma organização em que têm voto.
Antes da sua retirada, os EUA davam anualmente à Unesco cerca de 70 milhões de dólares (54,2 milhões de euros) por ano, representando cerca de 22% do orçamento anual desta agência da ONU. Segundo o NYT os custos do corte fizeram sentir-se quase de imediato, com despedimentos e atrasos em programas e projectos, incluindo alguns que teriam potencialmente beneficiado os EUA.
Em busca de soluções, a direcção-geral de Bokova criou um fundo de emergência que conseguiu contribuições de países como a Arábia Saudita, o Qatar e a Noruega. Foi, no entanto, uma medida pontual e a Unesco duvida voltar a conseguir reunir as mesmas somas de novo este ano. Assim, são de prever novos cortes. De prever, também, segundo diplomatas ouvidos pelo NYT, é que os EUA tenham agora mais dificuldade em ver os seus candidatos entrar para as listas de património protegido da Unesco.
Entre os projectos à espera de aprovação, os EUA têm actualmente o site histórico de Poverty Point, um complexo arquitectónico datado de entre 1700 e 1100 a.C., no estado do Louisiana, e um grupo de missões espanholas do século XVIII em San Antonio, no Texas.
Com a exploração turística destes dois espaços, após a classificação, os EUA esperavam criar cerca de 1000 postos de trabalho, diz o NYT. Depois, há a ter em conta a redução do alcance do soft power norte-americano pelo mundo, nomeadamente através de programas de educação e ajuda em países na sua esfera de interesses imediatos como o Iraque, o Afeganistão e o Paquistão.
“Há vinte anos, os EUA eram os únicos, agora há outros países a jogar o jogo do soft power”, disse ao NYT Esther Brimmer, antiga assistente da Secretaria de Estado norte-americana para as organizações internacionais. Hoje professora na Universidade de George Washington, esta especialista diz que há que ter em conta, por exemplo, que a China preside actualmente à conferência geral da Unesco.