Estas roupas são à prova de violadores (mas não de críticas)
Yuval e Ruth criaram a Anti-Rape Wear, uma linha de roupa “à prova de violação”. Campanha de crowdfunding está perto de atingir o objectivo. Especialista apelida estas peças de “cinto de castidade moderno” e considera que podem “prejudicar as vítimas”
A AR Wear (Anti-Rape Wear) é uma linha de roupa anti-violação, criada nos Estados Unidos por Yuval e Ruth. Estes dois amigos — que preferem não divulgar os sobrenomes — quiseram “desenvolver um produto para que mulheres e jovens possam ter mais poder e controlar o resultado de um ataque sexual”.
As peças — para já apenas roupa interior e calções de corrida — são compostas por uma estrutura em forma de esqueleto, que assegura a suavidade e a ergonomia das mesmas. A cintura, as coxas e o painel central são “protegidos com um design especial, tiras resistentes ao corte e em forma de rede”, pode ler-se na descrição do projecto. Quer a zona da cintura quer as perneiras são ajustáveis para maior conforto e têm um sistema de fechadura com 132 combinações possíveis.
“Queremos dar alguma segurança em situações que provocam sentimentos de apreensão, como sair num ‘blind date’, correr à noite, ir à discoteca, viajar para países estranhos ou qualquer outra actividade que pode deixar alguém ansioso com a hipótese de um ataque”, avançam os fundadores da AR Wear.
Criar peças de roupa com este objectivo implica desafios. Têm de ser confortáveis para usar no dia-a-dia, sem que a eficácia seja posta em causa. E, para que sejam eficazes, têm de ser resistentes a puxões e tentativas de corte, mesmo que quem as esteja a usar tenha bebido demais, sido drogada ou, até, esteja a dormir.
“Violação não se resume à penetração”
Maria José Magalhães, presidente da UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta), considera ser importante esclarecer que “a violação é um abuso sexual contra as pessoas — sobretudo contra as mulheres —, mas que não se resume à penetração”. Mais importante do que “encontrar um cinto de castidade moderno”, como chama Maria José Magalhães a este tipo de peças, é criminalizar, efectivamente, a violação e “combater, pela via da educação, a desconsciencialização social” face a este tipo de crimes. “Seria mais interessante criar uma linha cujo design apelasse ao ‘não é não’, por forma a educar possíveis violadores”, sugere.
Por outro lado, a também docente universitária considera que a AR Wear pode “prejudicar as vítimas”. “A vítima pode vestir uns calções invioláveis e já se sentir confiante. E, em vez de criar as condições para se defender e estar vigilante — não devia precisar, mas sabemos que precisa —, pensa que não vai ser violada. Se for atacada do ponto de vista sexual sem penetração pode não estar preparada”, reflecte. “Estes ataques têm as mesmas consequências psicológicas.”
Além disso, Maria José sublinha que, estatisticamente e a nível internacional, a probabilidade de uma mulher ser agredida em casa, por pessoas que conhece, é “75% maior” do que sê-lo na rua ou por estranhos. “Esta linha, ao invés de consciencializar a vítima sobre o que é a violação, tem uma concepção muito restrita sobre a violência sexual. Dá a ideia de que, quase com um gesto de magia, a situação se resolve”, conclui.
À procura de 50 mil dólares
Para conseguirem produzir um protótipo que possa ser replicado em massa, os criadores da marca lançaram uma campanha de crowdfunding na plataforma IndieGogo, onde pedem 50 mil dólares (cerca de 37 mil e 300 euros). A cerca de duas semanas do fim da campanha já conseguiram angariar perto de 40 mil dólares. Julho de 2014 é a data prevista para entrega dos produtos, cujo preço final ainda não é conhecido.
Yuval e Ruth estão a trabalhar neste projecto há vários anos, “desde que se comprometeram com a ideia de criarem uma protecção melhor para mulheres e raparigas”. “Investimos muito do nosso tempo e finanças pessoais, trabalhando com uma equipa de designers de produto profissionais, para chegar a este ponto da campanha”, dizem.
Depois de lerem estudos com estatísticas sobre resistir a ataques, concluíram que “uma peça de roupa que cria uma barreira eficaz pode permitir que mulheres e raparigas resistam passivamente ao atacante, além de qualquer outra forma de resistência que possam ter na altura do ataque”. “Fui atacada duas vezes quando estava na faculdade”, confessou Ruth ao site PolicyMic. “Da primeira vez, lutei com o atacante. Ele pensou ter ouvido um barulho algures e eu continuei a lutar. Fugiu”, conta. A existência da AR Wear, diz Ruth, é uma resposta ao medo com que passou a sentir após os ataques.