No espaço de uma antiga garagem do Centro Cultural de Belém (CCB), a arquitectura encontrou um lugar para se mostrar e, espera-se, abrir em Lisboa um diálogo sobre a sua condição de disciplina de pensamento da cultura contemporânea. Sou Fujimoto é um arquitecto japonês e o segundo a utilizar este espaço do CCB. A sua obra encontra-se entre as mais divulgadas nos circuitos internacionais das publicações de arquitectura, das mais massificadas às mais alternativas, e a exposição Futurospective Architecture ajuda a perceber (e reflecte) o fenómeno de reconhecimento do arquitecto que utiliza metáforas primitivistas para construir arquitectura.
A obra construida de Sou Fujimoto é variada em programas e até agora concentrada no Japão (há obras efémeras na Alemanha e em Inglaterra). Construiu casas urbanas e rurais, um centro de reabilitação para crianças com problemas psiquiátricos e uma biblioteca. Construiu também o pavilhão da Serpentine para o Hyde Park de Londres no Verão passado, sendo um dos mais jovens arquitectos convidados para este tipo de intervenção.
Todos estes trabalhos se afastam daquilo que o cidadão comum percebe habitualmente como casa, centro de reabilitação ou biblioteca. São projectos-tese, de absoluta afirmação pessoal, que tiram partido da tradição japonesa de fragilidade e rigor (e de espaços mínimos para o habitar) e a lançam numa posição de manifesto sobre viver no território não confinado da transparência ou da tensão entre espaços.
A exposição utiliza uma eficaz estratégia de dispersão que permite deambular entre projectos e estabelecer pontos de contacto casuísticos entre estes. Eventualmente o encontro casual entre projectos proposto pelo dispositivo museográfico assume-se como um instrumento de trabalho para o arquitecto. Os trabalhos estão expostos em plintos com maquetas ou livros, e os vídeos complementam os conteúdos com um registo da suposta realidade da sua utilização. Nos plintos mostra-se parte do processo em maquetas com anotações à mão, nos vídeos a confirmação de que é possível construir e habitar estas obras.
Existem várias famílias ou filões de investigação que o visitante pode coleccionar. A sobreposição (de lajes, vigas, toros, volumes, árvores ou mesmo de pequenas casas, como é o caso do edifício de quatro apartamentos em Tóquio), a aparente aleatoriedade de peças (a residência em Hokkaido para pessoas dependentes) e a sucessão de interiores e exteriores são temas dominantes de Fujimoto (a Casa N ilustra este tema).
Os projectos disparam nas várias direcções enunciadas, radicalizando os seus postulados-base. Apesar desta posição, a obra pública parece construir-se com uma amabilidade que as casas não autorizam. Enquanto nos edifícios públicos a dimensão da utilização colectiva afasta o desejo da singularidade absoluta, nas casas a arquitectura parece querer monotorizar a vida e não o contrário - veja-se o lado performativo no modo como são fotografadas. A exposição confirma esta posição com a constatação da distância mínima entre maqueta e obra construída.
As suas casas possuem vários dentros e vários foras e as janelas abrem tanto para dentro como para fora - até agora, foram o veículo prioritário de investigação do arquitecto. As árvores existem também dentro e fora dos espaços sem qualquer distinção. Este é o modo de o arquitecto falar do “futuro primitivo” que propõe para a metrópole contemporânea - mas os temas de fundo da cidade do presente não são aqui abordados, eventualmente porque não está interessado em sistemas, redes ou respostas genéricas.
Curiosamente, o trabalho escrito de Sou Fujimoto, que publicou o livro Primitive Future em 2008, revela-se quase ausente da exposição, relegando para a representação - a maqueta, as legendas e o diagrama - a tarefa de construção do manifesto.
O pavilhão da Serpentine lança nova equação sobre o desejo de virar do avesso as noções de interior e exterior, aberto ou fechado, alto e baixo, largo ou estreito. Liberto do constrangimento do uso, o tema desta arquitectura parece ser desafiar a noção de limite, muro ou parede. Este futuro proposto por Fujimoto é feito de transparência e quase imaterialidade. Pelo menos num parque de Londres. Em confronto com o contexto português, o Futuro Primitivo parece desvanecer-se.